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Uma
Constelação Única
«(…)
Por esta altura, a relação entre Leonardo e Lourenço, o Magnífico, e o seu círculo tinha-se esfriado um pouco. Muito
simplesmente, Leonardo não se enquadrava no brilhante e privilegiado grupo de
intelectuais que se reunia no Palazzo Medici. A erudição humanista de todos
eles, a sua capacidade de falar latim (e até grego), o seu comportamento
sofisticado, tudo isto excluía do seu meio o rapaz de Vinci, pouco instruído,
que falava com sotaque do campo e que se mostrava mais interessado em desenhar máquinas
estranhas e animais, enquanto eles compunham poemas espirituosos para as festas
extravagantes que Lourenço organizava para manter a populaça feliz e acalmar
qualquer ressentimento anti-Medici. No entanto, este método de cortejar a
popularidade não foi inteiramente bem-sucedido, e, em 1478, Florença foi palco
de um tumultuoso acontecimento: Lourenço, o
Magnífico, escapou por pouco a uma tentativa de assassínio apoiada pela
poderosa família Pazzi, que contou com o apoio encoberto do papa Sisto IV em
Roma. Quando a conspiração fracassou, Florença mergulhou na agitação, com a
populaça a entregar-se a actos de violência para encontrar os conspiradores.
Maquiavel, que na altura era um rapaz de nove anos, recordou mais tarde estes
acontecimentos nas suas Histórias Florentinas, descrevendo o destino dos
conspiradores: fugiram aterrorizados e procuraram esconder-se; mas, quando
foram encontrados, foram mortos e os seus corpos arrastados pelas ruas, em desonra.
Outros conspiradores, apanhados no primeiro andar do Palazzo della Signoria, a
residência oficial do conselho governativo, foram abatidos de imediato ou
atirados vivos pelas altas janelas do palácio. Leonardo testemunhou também
estes acontecimentos e, quando um dos conspiradores, que conseguira fugir, foi
trazido de volta a Florença um ano depois e enforcado publicamente, Leonardo
desenharia um esboço dele suspenso na extremidade da corda. Estes
acontecimentos tiveram com certeza algum efeito em Leonardo, mas, ao seu estilo
característico, os seus cadernos de apontamentos não lhes fazem qualquer menção
além desta referência indirecta.
Dois
anos mais tarde, Lourenço, o Magnífico,
concebeu uma reaproximação difícil com o poderoso papa e, para cimentar essa
reaproximação, enviou a Roma alguns destacados artistas florentinos para
decorarem a capela recém-construída por Sisto IV e que se tornaria conhecida como
Capela Sistina. Significativamente, Leonardo não estava entre os pintores escolhidos
para esta missão diplomática. Tinha começado a desenvolver uma característica
inquietante: apesar do brilhantismo inquestionável da sua pintura, sentia cada
vez mais dificuldade em terminar as obras que lhe eram encomendadas. Isso
devia-se em parte ao facto de os seus interesses terem começado a desviar-se
para outras áreas: para os estudos científicos da natureza, desenhos de projectos
cada vez mais engenhosos, planos de máquinas militares, e assim por diante.
Esta incapacidade de terminar os quadros também tem sido atribuída às suas
ideias artísticas sempre em evolução, que muitas vezes o impediam de alcançar
uma visão uniforme numa única obra. Ao mesmo tempo, tem também todas as marcas
de algum bloqueio psicológico pouco claro. Provavelmente como resultado das
encomendas inacabadas de Leonardo (e patronos cada vez mais irritados),
Lourenço mandou-o em 1482 numa missão a Milão: entregar, e fazer uma
demonstração ao seu governante Ludovico Sforza, uma magnífica lira de prata que
Leonardo tinha produzido com a forma de cabeça de cavalo.
Como
é evidente, Leonardo viu aqui uma oportunidade para deixar Florença com carácter
mais permanente, e escreveu a Ludovico Sfotza enunciando-lhe as suas
competências como engenheiro civil e militar. Foi mesmo ao ponto de sugerir que
lhe fosse confiada a tarefa de fundir a enorme estátua equestre de bronze que
Ludovico desejava erguer em honra de seu pai, o grande condottiere (caudilho) Francesco Sforza, que tinha conquistado Milão
e fundado a dinastia que governava naquele momento a cidade». In Paul
Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e
o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.
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