Cortesia
de wikipedia e jdact
A
Narrativa de Troilo, Diomedes e Briseide. O Amor Cortês
«(…)
O tópico da personificação do amor e dos efeitos que provoca encontra-se,
assim, realçado na obra, expressando-se de forma pormenorizada e hiperbólica as
consequências que induz no apaixonado cavaleiro, que pela sua acção perde,
perante a amada, a bravura e impetuosidade que o caracteriza. No que respeita
ao comportamento de Briseide, até tomar Diomedes por amigo e amante, é
sobretudo pelas palavras do narrador, de Troilo, nas do monólogo final da
donzela e pelo seu comportamento que se transmite as diversas fases que
originam a troca de amante, pois, no geral, Briseide continua a manifestar o
amor pelo cavaleiro troiano. Assim, se no primeiro encontro com o herói grego,
esta declara encontrar-se apaixonada por Troilo e decidida a manter a jura de
amor que ambos fizeram, acaba por afirmar que não sabe se pode confiar em
Diomedes, acentuando que as donzelas devem saber evitar os falsos amantes que
as tentam enganar. Após falar com o pai, enquanto ainda manifesta o seu pesar
por deixar Tróia e o amante, o narrador refere como, em três dias, a donzela
esquecerá o desejo de voltar à cidade que foi forçada a abandonar. Seguidamente,
quando recebe o cavalo que Diomedes tinha conquistado a Troilo, Briseide afirma
ao donzel que lho entrega, que se aquele lhe quer bem, não deve atacar os que
ela ama e anuncia a vingança do filho de Príamo, reiterando o amor pelo herói
troiano. Num quarto momento, quando entrega o cavalo a Diomedes, elogia o valor
guerreiro dos troianos e, em particular, o de Troilo. No entanto, o narrador
afirma que a donzela, apercebendo-se que já tinha em seu poder o cavaleiro
grego, torna-se alegre e dá-lhe uma manga do seu brial para que ele o use na
batalha, empunhando-o na lança como pendão.
Finalmente,
durante a convalescença de Diomedes, após ter sido ferido em combate, Briseide
vai constantemente vê-lo, embora escondendo o amor que por ele já sente. No
entanto, acaba por o assumir, o que leva o narrador a afirmar como procedeu mal
ao abandonar o valoroso Troilo. Entretanto, este, depois de ferir Diomedes,
condena a traição de Briseide perante mil cavaleiros, culpando-a do ataque que
perpetrou contra o seu novo amante, e, depois de afirmar a inconstância da
donzela, diz a Diomedes que não será o último cavaleiro que por ela sofrerá. A
mesma admoestação à donzela é repetido por Troilo, depois de desarmado pelas
donas e donzelas de Tróia, ao afirmar que a inconstância amorosa é própria das
mulheres que assim enganam os que as amam e por elas combatem. Entretanto,
antes destas palavras proferidas por Troilo, que marcam a última referência à
donzela na versão galega da Crónica, surge o longo monólogo de Briseide. Neste,
a donzela expressa quatro ideias principais: admite o erro de ter abandonado
Troilo, concordando com os que condenam o seu procedimento, nomeadamente as
donas e donzelas de Tróia, afirma a inconstância amorosa das mulheres que mesmo
casadas escolhem amantes, justifica a sua atitude pelo facto de ter ficado só,
sem conselho e desamparada, e, por fim, jura lealdade a Diomedes, manifestando
o desejo de recuperar a alegria antes sentida. Durante o monólogo torna-se
patente a incerteza da donzela na validade da argumentação justificativa da
troca de amante, introduzindo-se o tema da culpa. Assim, a atitude de Briseide
é condenada pelo narrador que não só a exprime nos seus comentários, como nas frases
proferidas por Troilo, enquanto a inconstância amorosa acaba por ser
considerada como uma característica do comportamento feminino. Neste sentido,
Jean Fappier afirma que Benoit de Saint Maur manifesta no Roman não só uma
ideia pessimista e fatal do amor, como uma atitude anti-feminista. Penso, no
entanto, que o comportamento da donzela permite, igualmente, o desenvolvimento
dos vários motivos ligados ao tema do amor cortês na narrativa, nomeadamente,
como refere o mesmo autor, la description minutieuse des symptômes de l’amour
maladie, e os tópicos da traição, dos remorsos e da culpa. Manifesta-se, assim,
a influência da concepção ovidiana do amor, adaptada ao gosto cortês.
As
Proezas Guerreiras de Troilo e Diomedes
Por
fim, abordarei de forma sucinta as proezas guerreiras associadas ao episódio
que escolhi analisar. Assim, a disputa que decorre, no plano amoroso, entre
Diomedes e Troilo passa para o campo de batalha a partir do momento em que
Briseide abandona Tróia, sucedendo-se os combates individuais entre os dois
inimigos. É neste contexto que se narra o inicial triunfo de Diomedes sobre
Troilo, que lhe permite capturar o cavalo do adversário, depois enviado a
Briséide, e a posterior perda da sua montada, oferecida por Polidamante a
Troilo. Os combates desenrolam-se como justas medievais e o narrador não deixa
de assinalar como se efectuam com o intuito de demonstrar a Briseide, a
valentia e o valor guerreiro dos oponentes. Entretanto, em momentos diferentes,
ambos os cavaleiros utilizam nas suas armas, como pendão, ofertas da amada,
assinalando o amor que a ela dedicam]. Por fim, é Troilo que acaba por ferir
gravemente Diomedes, pensando os gregos que de forma mortal. De resto, após a
morte do irmão Heitor, Troilo torna-se o principal combatente dos troianos, que
nele depositam a esperança na vitória, relatando-se, então, como as donas e
donzelas assistem aos seus feitos de armas nos muros da cidade, e os cuidados e
atenções que lhe dedicam após as batalhas. Ora, é precisamente a bravura
demonstrada perante os cavaleiros de Aquiles, aliada à derrota que lhes inflige
chefiando as hostes troianas, que motiva a impetuosa decisão do herói grego de
voltar a combater, acabando por o matar, com a ajuda dos seus cavaleiros.
Depois, de lhe cortar a cabeça, Aquiles arrasta o corpo de Troilo preso à cauda
do cavalo, motivando a vingança de Hécuba. Entretanto, depois da referida fala
de Troilo às donzelas e damas de Tróia, em que manifesta a inconstância amorosa
que caracterizaria o comportamento feminino, Briseide deixa de ser referida
pelo narrador, finalizando o episódio que relata o antagonismo dos cavaleiros,
motivado pela disputa do amor da donzela. Se no que respeita a Diomedes ainda
se narra, nomeadamente, como acabou, após diversas vicissitudes, como a disputa
pela posse do Paladium, por ser recebido no seu reino, não surge qualquer
alusão ao seu amor por Briseide». In Pedro Chambel, A representação medieval
dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto
de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.
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