domingo, 24 de julho de 2016

O Papa e o Filho Bastardo. Paul Strathern. «No verão de 1493, Alexandre VI decidiu conferir a César, de 18 anos, a categoria de cardeal, apesar de o filho nunca ter sido formalmente ordenado sacerdote…»

jdact

«(…) César foi entretanto nomeado arcebispo de Valência, com uma remuneração de 16 000 ducados ,o cargo que o pai fora obrigado a deixar vago quando foi eleito papa. Durante o seu primeiro ano de papado, Alexandre VI nomeou nada menos do que 11 novos cardeais, incluindo Alessandro Farnese, irmão da sua nova amante, Giulia, que por aquela altura se tornara conhecida em tom de chacota como a noiva de Cristo, depois de dar à luz a filha de Alexandre VI, no ano em que ele ascendeu a papa. Todas as novas nomeações feitas por Alexandre VI para o cardinalato foram familiares dos Bórgia ou amigos muito próximos e fiáveis, anulando assim o poder do cardeal Della Rovere e da sua facção no consistório. Entretanto, o generoso cardeal Sforza tinha sido recompensado com o cargo vago de vice-chanceler. Antes do papado de Alexandre VI, a simonia era quase desconhecida, mas agora ascendia a novas alturas. O poeta napolitano contemporâneo Jacopo Sanazzaro escreveria satiricamente a respeito do novo papa: Alexandre vende as chaves, os altares, o próprio Cristo, e tem direito a vender todas essas coisas porque também ele as comprou.
Alexandre VI em breve demonstraria que nem sequer hesitaria em usar a sua jovem filha Lucrécia para alargar a sua influência política, embora nesse aspecto o seu coração estivesse em conflito com as suas ambições. Adorava Lucrécia de todo o coração e mostrou relutância em deixá-la partir de junto de si. Após começar por prometer Lucrécia, ainda criança, em casamento a um nobre espanhol, e depois de mudar de ideias e promete--la em casamento ao espanhol Gaspare Aversa, conde de Procida e mais bem relacionado, acabaria por decidir casá-la, aos 13 anos, com Giovanni Sforza, primo de Ludovico, Il Moro, consolidando assim a sua aliança com Milão.
No verão de 1493, Alexandre VI decidiu conferir a César, de 18 anos, a categoria de cardeal, apesar de o filho nunca ter sido formalmente ordenado sacerdote. Quando o cardeal Della Rovere soube desta nomeação, soltou uma estrondosa exclamação e caiu numa tal fúria apoplética que foi obrigado a recolher à cama. A notícia chegou ao novo cardeal César Bórgia quando se encontrava de férias com a mãe, Vannozza, no campo, ao norte de Roma. Nessa altura, estava no meio de uma disputa irritada com os governadores de Siena, onde o seu cavalo acabava de ser desclassificado e impedido de ganhar o famoso Palio (depois de o jockey ter recebido instruções de César para se atirar do cavalo no último troço, aliviando assim a carga do animal no seu galope por cima das escorregadias pedras cobertas de areia da praça à volta da qual se disputava a corrida). A corrida foi assim ganha por Francesco Gonzaga, marquês de Mântua, o notável soldado que assumiria mais tarde o comando das forças da Santa Liga contra Carlos VIII. As cartas irritadas de César para Gonzaga ameaçavam ter graves consequências políticas, coisa totalmente contrária à estratégia diplomática de Alexandre VI. César começava a dar sinais de que não se sentia obrigado a satisfazer todos os desejos do pai. No entanto, os primeiros anos de Alexandre VI como papa não foram inteiramente dedicados à simonia e à busca do poder político. Era também um homem de considerável intelecto e capacidades. Uma das suas primeiras medidas foi restabelecer uma aparência de ordem cívica nas ruas de Roma, que começava então a rivalizar com Florença para ser a principal cidade do Renascimento. Apesar disso, Roma continuava em muitos aspectos uma cidade medieval: no meio do esplendor das ruínas abandonadas da Roma antiga e dos magníficos palazzi fortificados dos cardeais e das principais famílias da nobreza romana, as ruas mantinham-se imundas e perigosas. O enorme afluxo anual de peregrinos de toda a cristandade dera origem a uma próspera indústria turística, com todos os atavios habituais que isso implicava. As tabernas e os bordéis floresciam, as ruas laterais estavam infestadas de ladrões, assassinos e raptores, enquanto as autoridades encarregadas do policiamento tinham sido reduzidas a um estado de ineficácia total graças aos subornos. Assim que foi eleito papa, Alexandre VI reforçou a guarda pontifícia, bem como a eficácia das várias autoridades policiais. Foi lançada uma caça minuciosa e generalizada a uma longa lista de conhecidos chefes de bandos e assassinos. Quando eram encontrados, eram enforcados sumariamente e os corpos deixados a apodrecer nos patíbulos que existiam ao longo da ponte sobre o Tibre que conduzia à fortaleza papal de Castel Sant'Angelo, de cujas masmorras se elevavam os lamentos dos inúmeros pequenos criminosos que aí estavam encarcerados». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

Cortesia do CAutor/JDACT