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de wikipedia e jdact
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No Rio de Janeiro, o fotógrafo e pesquisador Paulo César Azevedo, que já vinha
colaborando com o meu trabalho através de pesquisas em arquivos públicos
decidiu requerer oficialmente ao Ministério das Relações Exteriores autorização
para consulta a documentos reservados referentes à deportação de Olga. Um ano
de espera e de reiteradas reclamações, entretanto, não foram suficientes para
que as portas da burocracia do Itamaraty se abrissem. Eu já havia recebido do
professor Ricardo Maranhão cópias de documentos que comprovavam o
comprometimento de diplomatas brasileiros com a Gestapo, mas senti-me no
direito de obter, oficialmente, toda a correspondência sobre o assunto. Foi
preciso que interviesse pessoalmente na demanda o próprio chanceler Ramiro
Saraiva Guerreiro para que eu pudesse receber, ainda que previamente censurado,
o material solicitado, ao contrário do que ocorrera no Itamaraty até a
intervenção de Saraiva Guerreiro, obtive do Superior Tribunal Militar todas as
facilidades para pesquisar nos seus arquivos. A partir da intermediação de seu
sobrinho e meu velho amigo Flávio Bierrenbach, o almirante de esquadra Júlio Sá
Bierrenbach, presidente do STM, determinou que se liberasse rigorosamente tudo
o que havia nos arquivos do Tribunal sobre a revolta de 1935, incluindo aí
documentação inédita, que se encontrava lacrada desde o encerramento do
processo n.° 1 do Tribunal de Segurança Nacional. Vladimir Sacchetta, meu
grande colaborador na parte brasileira deste livro, passou uma semana em
Brasília vasculhando 70 volumes para selecionar centenas de documentos e
ilustrações que, dias depois, seriam fotografados e reproduzidos por Paulo
César Azevedo. Sacchetta, além disso, já me franqueara o arquivo de seu pai,
Hermínio Sacchetta, e toda a documentação sobre o tema que havia recolhido em
Londres, no Public Record Office.
A
leitura de toda essa papelada me obrigaria a uma nova viagem, desta vez a
Buenos Aires, onde a boa vontade do correspondente da revista Veja, Tosé
Meirelles Passos, aproximou-me de Rodolfo Ghioldi, o velho dirigente do PC
argentino e do Comintern. Apesar de devastado por um enfisema pulmonar que
quase o impedia de falar (e que o mataria meses depois), Ghioldi recebeu-me em
companhia de sua mulher, Carmen, para cinco horas de entrevista gravada, ao fim
das quais presenteou-me com uma verdadeira relíquia que guardava no fundo de um
cofre: um envelope contendo fotografias inéditas, feitas no Brasil em 1935. A
falta de dinheiro e de tempo para empreender novas viagens obrigou-me a
utilizar o correio e o telefone internacional para conferir dados ou buscar
novas informações, foi assim que recorri ao professor Boris Koval, do Instituto
do Movimento Operário, em Moscou, ao Memorial Yad Vashem, em Israel, e, por
mais duas vezes, a Richard Gould, do National Archives. Simultaneamente, minha
conta de telefone engordava com interurbanos dados a vários pontos do país para
reconfirmar datas e dados ou mesmo para buscar a exacta precisão das palavras
usadas num determinado diálogo. A tudo isto acrescentei documentos que chegavam
às minhas mãos, remetidos por anónimos militantes comunistas de vários pontos
do país, que, alertados por notas de jornais ou notícias de televisão sobre meu
trabalho, generosamente tomavam a iniciativa de procurar-me, interessados não
só em ajudar-me, mas em enriquecer a verdadeira arqueologia em que me meti para
reconstituir com a maior fidelidade possível esta história de amor e de
intolerância.
Este
livro não é a minha versão sobre a vida de Olga Benario ou sobre a revolta
comunista de 1935, mas aquela que acredito ser a versão real desses episódios.
Não vai impressa aqui uma só informação que não tenha sido submetida ao crivo
possível da confirmação. Qualquer incorrecção que for localizada ao longo desta
história, entretanto, deve ser debitada exclusivamente à minha impossibilidade
de confrontá-la com versões diferentes. E certamente haverá incorrecções, até
porque eu próprio cheguei a avançar investigações a partir de versões
aparentemente verdadeiras, mas que depois seriam desmentidas por novas
pesquisas ou entrevistas. Um exemplo: tenho em minhas mãos o depoimento de uma
sobrevivente de Ravensbruck que jura ter visto Olga ser fuzilada naquele campo
de concentração. A segurança das declarações leva-me a crer que ela de facto
viu alguma mulher sendo fuzilada lá e supôs tratar-se de Olga. A verdade, no
entanto, é que Olga não foi fuzilada em Ravensbruck. Outro exemplo: um eminente
historiador brasileiro assegurou-me que Paul Gruber não passou de um personagem
de ficção inventado pelo Comintern para confundir os serviços de inteligência
capitalistas. De novo, factos, documentos e testemunhos comprovaram que Gruber
não só existiu em carne e osso como jogou um papel importante no desfecho da
revolta de 1935. E houve, ainda, situações em que, colocado diante de versões
contraditórias sobre determinado episódio, fui levado por investigações e
evidências a optar por uma delas. Não apenas como referencial, nesses casos,
mas para introduzir-me por inteiro na época em que esta história se passa,
recorri à extensa bibliografia que vai ao final deste volume, de importância
capital para quem pretenda conhecer melhor essa época. As raras passagens deste
livro em que foi necessária a recriação referem-se sempre a cenários de
determinados factos, nunca a factos em si». In Fernando Morais, Olga, 1985,
Editora Ómega, 1993/1994, Companhia das Letras, 1985/1999, epub, 2014, ISBN
978-857-164-250-8.
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