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Cochim,
o cais da pimenta
«(…)
Duarte Pacheco Pereira regressou a Lisboa no dia l1 de Junho de 1505, integrado
na sexta armada, comandada por Lopo Soares Albergaria. Eram doze naus grossas
carregadas de pimenta. Manuel recebeu Duarte Pacheco Pereira como um herói
romano. Na procissão do triunfo, da Sé a São Domingos. Caminhou debaixo do
pálio ao lado do rei. As procissões estenderam-se ao Algarve e às principais
cidades e vilas. O mundo urbano e marítimo aprovava a aventura da Ásia. Veneza mobilizava
secretamente o novo sultão do Egipto para a luta contra os portugueses.
Estrangulavam a rota de Alexandria. Em 1505 chegou a Lisboa, vindo de Roma,
onde se avistara com o papa, frei Mauro, monge de Santa Catarina do Monte
Sinai. Se o rei Manuel I não desistisse, o sultão do Egipto ocuparia os Lugares
Santos e proibiria as peregrinações e o culto cristão. Em resposta ao apelo de
frei Mauro, Manuel I enviou embaixadores a Henrique VII de Inglaterra e a França,
Flandres e Roma. Propunha-lhes uma nova cruzada com destino a Alexandria e daí
para a Terra Santa. Pelo seu lado, a armada portuguesa da Índia viria pelo Mar
Vermelho até ao Suez.
Boas
contas se faziam em Lisboa, ainda não sabiam o que era o Mar Vermelho. Pelo seu
lado, os reis indianos e os mercadores mouros instavam com o sultão do Egipto:
levante uma armada no Suez. Juntos, expulsaremos os portugueses da Índia. Quando
frei Mauro chegou a Lisboa, já a sétima esquadra, a de Francisco Almeida,
partira com 22 velas e 1500 homens de armas, gente limpa, em que entravam
muitos fidalgos e 400 moradores registados nos livros do rei. Manuel I delegava
os seus poderes em Francisco Almeida que na Índia assumiria o título de
vice-rei. O pessoal dirigente e militar ficava sujeito a três anos de serviço
pago. Levavam madeira lavrada e acertada para na India montar duas galés e um
bergantim. E ferro, breu, pregos, alcatrão, linho, lonas, panos de Vila do
Conde, âncoras, fateixas, remos, armas e muita artilharia e munições. Em cada
nau, havia botica bem provida, barbeiro sangrador, mestre para curar e dois
capelães para confessar.
João
Nova, alcaide pequeno de Lisboa e comandante da terceira armada que se dirigiu
à Índia, repetia a viagem e um Lopo Deus era simultaneamente capitão e piloto. Embarcaram
carpinteiros, calafates, ferreiros, cordoeiros e degredados que viam perdoada
parte substancial dos degredos. Os cronistas esqueceram-se dos escravos. Assalto
a Quíloa e a Mombaça O ouro de Quíloa e Sofala aguçava a gula de Lisboa.
Dobrado o Cabo da Boa Esperança, os nautas lusos fundearam, a 22 de Julho, em
Quíloa, a cidade do ouro, ligada pelo comércio e pelos laços de sangue às
cidades do Mar Vermelho, do Golfo Pérsico, de Cambaia e da Índia. Francisco Almeida
mandou um recado ao rei: pague as párias a que foi obrigado por Vasco da Gama. Não
quero ser vassalo do rei de Portugal.
Os
atacantes desembarcaram ao som das bombardas e das trombetas. As ruas estreitas
estavam desertas. Os moradores esperavam-nos nos eirados das casas com pedras e
setas. Espingardeiros e besteiros lusos despejaram-nos das janelas e entraram
nos eirados. O rei fugiu. Substituíram-no pelo mouro que ficara refém de Vasco
da Gama. Puseram-lhe na cabeça a coroa que destinavam ao rei de Cochim.
Usaram-na e levaram-na. De Quíloa seguiram para Mombaça. Um português renegado gritava
de terra: estes não são os de Quíloa que se entregaram ao som das bombardas. Na
madrugada de Nossa Senhora de Agosto, os assaltantes, organizados em três
corpos, atacaram. O primeiro tomou as naus de Cambaia, fundeadas no porto. Os outros
dois avançaram pelas ruas estreitas. Dos terraços e janelas choviam pedras que,
favorecidas pelo declive, saltitavam pelas ruas abaixo». In António Borges Coelho, Na
Esfera do Mundo, Editorial Caminho, 2013, ISBN 978-972-212-642-7.
Cortesia Caminho/JDACT