jdact
e wikipedia
Montségur.
1243
«(…)
Leve-a você mesmo! Se continuar soprando à medida que subir para o castelo, e
se a Virgem Santíssima lhe emprestar seu alento, não se apagará! Como o legado
não fizesse o gesto de aceitar o ramo, o senescal devolveu-o à fogueira e
retirou-se. Seus súbditos, já acostumados a tais rompantes, reprimiam o riso a
duras penas. Com o entardecer, eram acesas fogueiras por todo lado. As cantineiras
enchiam os caldeirões, e os soldados faziam girar a carne trespassada; haviam
conseguido muitas peças com a caça nos bosques de Corret e o saque das fazendas
de Taulat. Não fosse essa sorte grande, teriam de conformar-se com as glandes
de carvalho e com as castanhas, e o pão seco que os forrageadores repartiam. A
tropa compunha-se em sua maioria de mercenários. Os cavaleiros templários, seus
senhores, eram nobres procedentes do norte do país e que não viam de que forma
se opôr ao desejo de seu soberano Luís; havia os que lá estavam para conseguir
favores do rei; e também simples aventureiros que, depois de perderem seus
feudos e benefícios, prometiam a si mesmos algum lucro procedente dos saques ou
outras vantagens, já que além do mais a Igreja prometera, a cada participante,
o perdão por seus pecados. As muralhas do Montségur, cujo flanco mais
pronunciado formava um ângulo obtuso bem em cima do acampamento, douravam-se
com os raios de sol em seu ocaso.
Quantos
devem ser?, perguntou Esclarmonde Perelha, a jovem filha do senhor e dono do
castelo, que, se aproximando sem medo algum da encosta da muralha, deteve-se
para observar o vale. Seis mil? Dez mil? O visconde Pierre-Roger Mirepoix,
cunhado de Esclarmonde e comandante da fortaleza, sorriu. Isso não deverá
preocupar-nos, enquanto eles não forem capazes de fazer subir mais de cem
nestas muradas. Mas vão nos deixar morrer de fome... Até o momento, cada um
desses senhores armou a barraca como bem quis, bem separados uns dos outros, e Mirepoix
apontou na direcção do prado, montanha e vales. Essa arrogância estúpida,
aliada a um território acidentado e pouco visível e à escuridão dos bosques,
para os que temem, têm para nós uma consequência favorável: o cerco a que
pretendem submeter-nos tem mais buracos que o queijo dos Pirenéus que recebemos
fresco toda semana. Era evidente que desejava fazer-se de importante. O nome de
baptismo de Esclarmonde o obrigava a considerar o exemplo daquela outra cátara,
a mais famosa de todas, chamada também irmã de Parsifal, que há quarenta anos restaurara
e reabilitara a fortaleza de Montségur. Como ela, a jovem Esclarmonde era uma parfaite, uma virgem pura. Se a montanha
da salvação não resistisse, correria o maior perigo. Mas não parecia gostar de
riscos. Jamais conhecerão o Santo Graal, retrucou em voz baixa, externando
assim sua única preocupação ao visconde
Jamais
cairá em suas mãos. Duas crianças pequenas tinham chegado vagarosamente. O rapaz
rodeou com seus bracinhos as pernas da jovem, enquanto a menina, de estatura
pequena e delicada, aproximou-se com bastante atrevimento da encosta do muro.
Lançando uma pedra ao abismo, escutou com atenção e entusiasmo o barulho que
anunciava o fim de seu voo. Foi esse barulho que atraiu a atenção do
comandante. Vou proibi-los de vir até aqui em cima, exclamou enquanto já via a
aia subindo pela íngreme escada de pedra que seguia pelo pátio interior do
castelo. Depois de dar uma leve palmada na menina, agarrou-a pelo pescoço e
entregou-a à criada. Esclarmonde acariciou o cabelo do rapaz, que seguiu,
obediente, à menina. Quanto tempo durará isso?, falou Esclarmonde, dirigindo-se
novamente ao visconde. O comandante da fortaleza parecia mergulhado em profunda
reflexão. Frederico não nos abandonará à nossa sorte..., mas sua voz não
conseguia esconder de todo a dúvida. O germano não duvidaria em pisotear o que
fosse de mais sagrado, replicou a menina com cepticismo, mas sem amargura, em
seu próprio proveito ou de sua estirpe. Não devem confiar nele, pelo bem dessas
crianças!, e lançou um olhar em direcção às duas crianças, que faziam o quanto podiam
para dificultar a descida da aia pela íngreme escada de pedra. Mas posso dizer
com toda certeza que existe um poder superior, e posso jurar-lhe, Esclarmonde,
de que eles se salvarão! Venha aqui! Aproximou-se do lado oriental, onde estava
o observatório coberto. Por este lado, onde o rio Lasset atravessa os montes
Tabor, onde suas águas cortam o desfiladeiro profundo, não há vigilância nem
pode haver. Esclarmonde uniu as palmas das mãos para saudar os anciãos, vestidos
de branco, parfaits como ela, que da
plataforma observavam o curso dos astros cujas luzes iam se acendendo. Além da
pouca disciplina que caracteriza nossos inimigos, prosseguiu Mirepoix,
favorece-nos também o facto de que muitos dos mercenários, no fundo, simpatizam
connosco. Por exemplo, os de Camón, que são antigos vassalos de meu pai, e que
estão acampados exactamente debaixo do Roc de la Tour, buscava assim dar ânimo
à jovem. Enquanto esta rocha estiver em nossas mãos, a comunicação com o mundo exterior
não será interrompida, e assim sempre poderemos ter esperanças...». In Peter
Berling, Os filhos do Graal, 1991, Editorial Presença, colecção Grandes
Narrativas, 1996, ISBN 978-972-231-982-9.
Cortesia de
EPresença/JDACT