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As
lendas de Yelena Zaltana
«(…)
Eu. Sendo assim, estou ansioso para encontrar um substituto. Além disso, o
Código de Conduta estabelece que o emprego deve ser oferecido a alguém cuja
vida esteja em jogo. Sem conseguir permanecer sentada, fiquei de pé e comecei a
andar de um lado para o outro, arrastando as correntes comigo. Os mapas nas
paredes mostravam posições militares estratégicas. Os títulos dos livros tinham
a ver com técnicas de segurança e espionagem. O estado e a quantidade das velas
sugeriam alguém que trabalhava até tarde da noite. Olhei de volta para o homem
no uniforme de conselheiro. Ele devia ser Valek, o chefe de segurança pessoal
do Comandante e líder da vasta rede de inteligência do Território de Ixia. O
que digo para o carrasco? Valek perguntou. Que não sou tola.
Valek
fechou a pasta. Ele caminhou até à porta, com seu andar leve e gracioso como o
de um gato das neves trilhando sobre gelo fino. Os guardas que esperavam no
corredor ficaram em posição de sentido quando a porta se abriu. Valek falou com
eles, e os homens assentiram. Um dos guardas veio em minha direcção. Eu o
fitei. Voltar para o calabouço não fizera parte da oferta de Valek. Será que eu
conseguiria escapar? Passei os olhos pelo aposento. O guarda me virou e retirou
os grilhões e as correntes que eu vinha usando desde que fora presa. Faixas de
carne viva rodeavam meus pulsos ensanguentados. Levei a mão ao pescoço,
sentindo a pele onde costumava haver metal. Meus dedos ficaram empapados de
sangue. Tateei em busca da cadeira. Estar livre do peso das correntes fez com
que uma estranha sensação se apossasse de mim. Sentia-me como se fosse voar
para longe, ou então desmaiar. Inspirei fundo até a fraqueza passar. Quando
recobrei a compostura, notei que Valek estava postado ao lado da escrivaninha,
servindo bebida em dois copos. Um armário de madeira aberto revelava em seu
interior fileiras de garrafas de estranhos formatos e jarras multicoloridas.
Valek guardou dentro do armário a garrafa que estava segurando e trancou a
porta. Enquanto estamos esperando por Margg, pensei que você talvez gostasse de
uma bebida. Ele me passou um cálice alto de estanho cheio de um líquido cor de
âmbar. Erguendo o próprio cálice, fez um brinde. À saúde de Yelena, nossa nova
provadora de comida. Que você dure mais do que seu predecessor. Deteve meu
cálice a poucos centímetros de meus lábios. Relaxe, ele disse. É um brinde
tradicional.
Dei
um demorado gole. O líquido gostoso ardeu ligeiramente ao passar pela minha
garganta. Por um instante, pensei que meu estômago se fosse revoltar. Era a
primeira vez que eu estava bebendo algo além de água. Depois, ele se acalmou. Antes
que eu pudesse indagar o que exactamente acontecera com o provador de comida
anterior, Valek me pediu para identificar os ingredientes da bebida. Dando um
gole pequeno, eu respondi: pêssegos adoçados com mel. Óptimo. Agora, dê outro
gole. Dessa vez, deixe o líquido rolar ao redor da língua antes de engolir. Eu
obedeci, e surpreendi-me com um ligeiro sabor cítrico. Laranja? Isso mesmo.
Agora, gargareje. Gargarejar?, perguntei. Ele assentiu. Sentindo-me tola,
gargarejei com o restante da minha bebida e quase a cuspi fora. Laranjas
podres! Rugas se formaram ao redor dos olhos de Valek quando ele riu. Tinha um
rosto forte e angular, como se alguém o houvesse recortado de uma chapa de aço,
mas que se suavizava quando o homem ria. Passando-me sua bebida, ele pediu que
eu repetisse o procedimento. Com um pouco de receio, dei um gole, mais uma vez detectando
o ligeiro sabor de laranja. Preparando-me para o gosto rançoso, gargarejei com
a bebida de Valek e fiquei aliviada ao me dar conta de que o gargarejo apenas
realçava a essência de laranja. Melhor?, Valek perguntou, tomando de volta a
taça vazia. Melhor. Valek sentou-se atrás da mesa, mais uma vez abrindo a
pasta. Pegando seu cálamo, ele conversou comigo enquanto escrevia. Você acaba
de ter sua primeira lição no ofício de provar comidas. Sua bebida continha um
veneno chamado Pó de Borboleta. O único modo de detectar Pó de Borboleta em um
líquido é fazendo o gargarejo. Aquele gosto de laranja podre que sentiu era o
veneno. Fiquei de pé, minha cabeça girando. É letal? Uma dose grande o
suficiente mata uma pessoa em dois dias. Os sintomas só aparecem no segundo
dia, porém, então, já é tarde demais. Eu tomei uma dose letal? Prendi a
respiração. É claro. Qualquer coisa menos e você não teria sentido o gosto do
veneno». In Maria V. Snyder, Estudos sobre Veneno, 2005, As lendas de
Yelena Zaltana, tradução de Maurício Araripe, ePub, Editora HR, Harlequin
Enterprises, Rio de Janeiro, 2011, ISBN 978-853-980-460-3.
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