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Florença decerto esperou e recebeu com algum entusiasmo e até curiosidade a
presença de tão importante nobre, neto do famoso rei João I e do não menos
conhecido e já com fama de santo, Nuno Álvares Pereira. Aliás, os florentinos
bem conheciam e consideravam um outro português que naquela cidade era prior do
mais célebre mosteiro beneditino, a Abadia de S. Bartolomeu de Fiesole, mais
conhecida pela Badia di Firenze: dom Gomes Ferreira (1383/5?- 1459)
[filho de um fidalgo de João I, de nome João Martins, Gomes estudou
Direito em Pádua; em 1412/13 aderiu à Ordem de S. Bento fazendo o noviciado em
Stª Justina, um mosteiro dirigido pelo Abade Ludovico Barbos de Veneza e ao
qual também pertencia Gabriel Condulmer, futuro papa Eugénio IV. O mosteiro
começou a ganhar fama e expandiu-se tendo dom Gomes sido um dos noviços que
integrou o primeiro grupo que se instalou em S. Fortunato de Bassano, tendo
voltado a Stª Justina para professar no início de 1414. A partir de 1418, foi
encarregue de governar 16 monges, ao ser nomeado prior e reformador da Badia
Florentina que estava em decadência havia alguns anos, tendo sido a mesma
por ele dirigida até 1439, data em que Eugénio IV o nomeou Geral da Ordem Camaldulense.
Em 1441 regressou definitivamente a Portugal, tendo sido feito Prior de Santa
Cruz de Coimbra, que governou até à morte], homem muito considerado e que
mantinha relações de amizade com alguns dos mais notáveis intelectuais e
artistas locais. Um dos seus conversos era até irmão de Filippo Brunelleschi,
pelo que não seria de estranhar que aquele religioso conhecesse até o famoso
arquitecto. Apesar de dom Gomes não estar em Florença (esteve em Portugal, em
missão pontifícia entre Março de 1436 e o início da Primavera do ano seguinte;
sabemo-lo já em Florença em Maio de 1437; reformador da Abadia Florentina de
Florença e as tentativas de reforma dos mosteiros portugueses no século XV)
quando o conde de Ourém por lá passou a caminho de Basileia, é muito natural
que Afonso tenha tido vontade de visitar a sede da congregação dirigida por um
seu compatriota que sabia ser muito considerado tanto na corte portuguesa, já
desde o tempo do seu avô (foi também ele [Abade Dom Gomes] que deu hospedagem
ao Infante Pedro, quando este veio a Florença), como também pelo papa Eugénio
IV de quem dom Gomes era amigo pessoal desde os tempos do noviciado.
Provavelmente o conde de Ourém terá sido guiado por outro monge, talvez mesmo
um português (em 1425, quando Gomes esteve em missão em Portugal e Espanha,
deixou à frente do mosteiro frei Álvaro, prior claustral e quando este teve que
se ausentar, designou para o mesmo cargo frei João, ambos portugueses), que lhe
terá mostrado as obras já concluídas no primeiro piso da Badia que se
encontrava em fase de remodelação total. Em 1436 estavam já prontos o Oratório
e o Claustro inferior, o célebre Claustro das Laranjas (... claustro
pequenino e verdadeira jóia da Renascença, que se chama a Crasta das Laranjeiras, porque na sua origem as arcadas eram
ornadas com grandes vasos de laranjeiras; é preciso ter presente que laranja,
em italiano, chama-se vulgarmente portugal) e o Refeitório, estando em
fase de conclusão o segundo piso (claustro superior e dormitório novo),
terminado no ano seguinte.
Sem
bases documentais, mas relacionando factos, acontecimentos e datas, julgamos
que é possível afirmar que o conde de Ourém esteve em Florença, num dos anos
mais importantes para a cidade que festejava efusivamente a conclusão da sua
bela catedral, cujo fecho da respectiva cúpula, tinha demorado tantos anos e
que alguns julgavam até ser impossível. Mesmo em frente, Afonso terá certamente
admirado a bela Loggia dei Lanzi, famoso pórtico destinado a cerimónias
públicas construído entre 1376-81 e terá passeado pela Piazza della Signoria
e entrado no Palácio Vecchio (1429- 1314), com desenho de Arnolfo di Cambio.
Deve ter também visitado a residência da Potestade (ou Palácio del Bargello),
edifício cuja construção se iniciou no século XIII e cuja loggia e
grande sala datam do século XIV. E viu com quase toda a certeza, para além da catedral
que o relato assinala, as obras de Brunelleschi, que nesta altura estavam já
edificadas em Florença: a igreja de São Lorenço, cujos trabalhos tinham sido iniciados
em 1423, o Hospital dos Inocentes, construído em 1420 e talvez a Capela dos
Pazzi, em construção, uma vez que, iniciada em 1430 só foi concluída em 1444. E
se não conheceu o famoso arquitecto, terá talvez tido oportunidade de contactar
possivelmente com o irmão que, possivelmente elucidou Afonso sobre as novidades
arquitectónicas e estilísticas concebidas por Filippo Brunellechi». In
Alexandra Leal Barradas, D. Afonso, 4º conde de Ourém, Revista Medievalista,
director Vasconcelos Sousa, Ano 2, Nº 2, Instituto de Estudos Medievais,
FCSH-UNL, FCT, 2006, ISSN 1646-740X.
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