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Soeiro Gomes já tivera contenda com Afonso II e, não encontrando no filho deste
disposição para ceder, dirigiu-se a Roma com o fim de se queixar pessoalmente
ao Sumo Pontífice contra o rei de Portugal. Gregório IX, porém, não pôde dar
andamento à reclamação, mau grado os seus desejos de fazer justiça. A verdade é
que Sancho II não deixava em sossego os moiros, acérrimos inimigos da fé cristã,
o que era motivo de sobejo para a benevolência de Sua Santidade, nesse período
de entusiástica guerra santa contra os infiéis. Afinal, Soeiro fez essa árdua viagem
debalde. O bispo de Lisboa já não chegou a ver, por ter morrido entretanto, a
vitória alcançada anos depois pela sua classe sobre o poder temporal, pela
deposição do rei. Sobranceiro aos ódios que pressentia em volta, o monarca continuava
na sua obra de guerreiro intemerato. Conquista Serpa, Moura e Aljustrel. Ficava
assim completada a conquista do Alentejo, em cuja fronteira meridional, para
sua mais segura garantia, estabeleceu a um lado os cavaleiros de S. Tiago,
comandados por Paio Peres Correia, e no outro os cavaleiros do Hospital, estes dirigidos
por Afonso Peres Farinha. Uns e outros, levando a bom termo os desejos do
soberano e as exigências nacionais, não descansaram enquanto não arrancaram das
mãos dos moiros várias praças do Algarve. O primeiro, servido por maior ambição
ou audácia, atirou-se valentemente a tarefa de vulto, reconquistando a
importante praça de Silves.
Neste
ambiente de agitação política e de empresas bélicas decorriam os anos. Sancho
II, agora homem na plenitude do seu vigor (1235), viu-se a braços, mais uma
vez, com novas dificuldades na governação. Dos três ministros que tão
dedicadamente o haviam apoiado nas primícias do reinado, já mais nenhum estava
junto de si: um, Gonçalo Mendes morrera; o segundo, Pedro Anes, abandonara o
poder por motivos que se ignoram; e, finalmente, o terceiro, mestre Vicente,
fora nomeado bispo da Guarda, acabando por enfileirar também ao lado dos
inimigos do monarca. Nuvens negras se adensavam sobre a cabeça de Sancho, o qual
tinha de apelar para toda a sua prudência, a fim de que não se agravassem ainda
mais as circunstâncias, tornando irremediável a situação. Procedia assim o
monarca, cônscio das responsabilidades do seu cargo e, também, decerto,
receando o poderio que o alto clero desfrutava na época. Outro tanto não faziam
os que se lhe agregavam em volta.
Sabe-se,
com efeito, que os cavaleiros moços que rodeavam Sancho, turbulentos e
desatinados, zombaram das imunidades do clero e praticaram actos repreensíveis,
como seu irmão, o infante Fernando, conhecido pelo nome de infante de Serpa, que estabeleceu à força, na Sé de Lisboa,
um bispo que a corte queria ver eleito, maltratando o que o capítulo elegera
regularmente, violando uma igreja, etc.. O soberano, reprovando esses e outros
desacatos e temendo as consequências do procedimento dos seus endiabrados
cavaleiros, deu todas as desculpas que lhe exigiram, concedeu indemnizações e
obrigou o irmão a ir a Roma prostrar-se perante o papa, a implorar-lhe o
perdão. De pouco serviram tais atitudes de humilhação. A desavença entre os dois
poderes, por antiga e fundamental, já não podia ter arcanjo. Eram
irreconciliáveis. As iras dos bispos não desarmavam.
Talvez
até refinassem com a humildade que o filho do odiado Afonso II exteriorizava
sem que, todavia, lhes satisfizesse as esperanças de devolução de bens e
regalias de que se viam esbulhados. Cada vez mais se arraigava no espírito de
todos quantos tinham responsabilidades, nomeadamente das autoridades
religiosas, que Sancho não estava à altura do trono. E, junto às acusações que lhe
faziam de praticar violências contra a Igreja e seus representantes, outra
acusação principiou a correr o país, a tomar corpo: a da incapacidade
governativa do soberano». In Américo Faria e Herdeiros, 1958, Dez
soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições Parsifal, Lisboa,
2014, ISBN 978-989-8760-00-5.
Cortesia
de Parsifal/JDACT