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As pessoas de muitos túaths a norte da minha permitiram que os homens tonsilados
lhes mostrassem como melhorar a colheita do cereal e da criação de cavalos.
Naqueles tempos, as razias entre túnths diminuíram e, em Tarbfhlaith, nós
continuámos a ser pagãos, tendo gozado um período no qual nenhuma das nossas
pessoas foi encontrada morta no campo com os seus porcos roubados. As pessoas que
escutavam os homens tonsilados faziam muitas perguntas e os druidas que assistiam
os chefes nesses lugares debatiam com os monges. Eles perguntavam: em que
espécie de árvore é que este herói Jesus foi sacrificado, e os monges
frequentemente respondiam: era um teixo, porque eles sabiam que era
sagrado para os druidas, que do teixo faziam os seus bordões e varinhas. Agora,
dos poços antigos e das pedras erectas, eles fazem relíquias cristãs, atribuindo
os seus poderes a santos. Eu não discuto esta prática porque acredito que o sagrado
não se importa porque nome é chamado. Mas, muitas vezes desejava não conhecer
tão bem a história para que pudesse acreditar mais a fundo na interpretação
cristã da nossa paisagem. O conhecimento estraga a devoção. Aos habitantes da parte
leste desta terra, que primeiro conheceram o Nosso Senhor Jesus Cristo através dos
pelagianos, foi ordenado, pelos homens tonsilados, que abandonassem essa doutrina
como se fosse veneno a ferver. Porque era falado por um herege que não percebia
o estatuto sagrado dos padres. Estas controvérsias eram-me desconhecidas quando
vivia em Tarbthlaith, e só depois de ter vindo para aqui servir Santa Brígida, e
de transcrever as Escrituras dos estudiosos da Igreja, ó que tomei conhecimento
delas. Agora eu sei que São Patrício veio para esta terra para assegurar que os
cristãos daqui abandonassem e renunciassem às ideias de Pelágio, que traíam o Papa
e todos os Bispos, Santos e Padres que têm de proteger as almas dos ignorantes.
Santo Agostinho de Hipona revelou que os pelagianos eram hereges e salvou os cristãos
das noções que lhe danavam as almas. Foi assim que eu li. Mas nos dias da minha
juventude estes assuntos eram muito pouco conhecidos. A minha túath permaneceu
não-cristã e a minha decisão de me tornar uma druida não foi abalada por argumentos
religiosos. Unde autem audenter dico, non me reprehendit cinscientia mea hic et
futurorum (mas por esta razão eu corajosamente afirmo que a minha consciência
não me censura, nem agora nem sobre coisas futuras).
No céu
já parou de chover, mas o orvalho é ainda pesado e gela o chão até à hora da nossa
refeição. Os nossos passos no corredor caem pesados no chão e o sol é pequeno.
Eu pus mais tecido à volta dos meus pés para poder caminhar pela abadia e pelos
seus jardins. Perguntei pela criança recém-nascida que foi trazida para o nosso
convento e fiquei triste por saber que tinha morrido. O pastor não pareceu interessado
no destino da criança e deu-me o pequeno corpo nos cobertores sujos. O embrulho
era tão leve que tive que o desembrulhar para ter a certeza de que existia lá
uma alma. E então vi o infeliz recém-nascido, enegrecido pelos vermes que o
adoentaram. Falei à Irmã Luirrenn, que foi às casas do povoado, que se aglomeram
à volta da abadia, para encontrar a mãe da criança, mas não a conseguiu ver. Todas
as dezanove irmãs discutiram de que modo se deveria enterrar a criança, e como
várias eram da opinião de que não se deveria pôr uma alma não baptizada em
terra consagrada, e como não tínhamos nenhum ceallurach (cemitério para crianças
não baptizadas ou para suicidas), a irmã Luirrenn disse que deveríamos enterrá-lo
no jardim. Ela é a nossa anciã e por isso foi o que fizemos. O jardim não tem sido
tratado desde as últimas chuvas, estando assim cheio de indesejáveis ervas
daninhas». In Kate Horsley, Confissões de uma Freira Pagã, tradução de Mariana
Pereira, Ésquilo, Lisboa, 2002, ISBN 972-860-518-8.
Cortesia de
Ésquilo/JDACT