domingo, 23 de outubro de 2016

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina Cunha. «… devido a gran descordia que era antre os freires da Ordin d'Avis pera fazer seu maestre, uma vez que alguuns dos freires que eram da parte de don Airas Affonso comendador moor…»

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A eleição do Mestre de Avis nos séculos XIII-XV
«(…) Encontrando-se vago o mestrado por morte ou renúncia do mestre, competia ao comendador-mor, conforme disposição regulamentar, convocar o Capítulo Geral com o objectivo de escolher o cavaleiro que iria assumir a dignidade mestral. Deveriam estar presentes nessa reunião, para além do comendador-mor, os treze do numerro e todo o outro convento. No caso de a reunião coincidir com uma visita da Ordem de Calatrava, o mestre castelhano ou os seus representantes presidiriam ao cabido, o que se compreende se atendermos à filiação de Avis na milícia do reino vizinho acima referida. Obedecendo a uma ordem do comendador-mor o chantre (cantor) chamava os Treze aa esteira e ordenava-lhes que segundo Deus e sas conciiencias que fezessem sua enliçom. Para esse efeito, este grupo de cavaleiros ausentava-se da sala onde decorria a reunião e dirigia-se à Capela do Convento. Era neste local que, após a invocação solene do Espírito Santo, era escolhido o cavaleiro idoniio pera o estado da meestraria. Regressados ao cabido, era dado a conhecer o nome do cavaleiro escolhido que deveria ser sempre do agrado da maioria dos outros cavaleiros aí reunidos. Encontrando-se presentes os representantes de Calatrava, como aconteceu em 1342, passava-se de imediato à investidura do novo mestre: este fazia a promision ao superior castelhano, recebia das suas mãos o selo da Ordem e jurava, conforme os costumes de Calatrava, não alienar bens da milícia. Depois era conduzido pelo visitador à cadeira mestral enquanto os restantes cantavam o hino Te Deum laudamus. Seguia-se o juramento feito por todos os presentes de obedecer ao mestre investido ficando os ausentes obrigados a deslocar-se ao convento durante um período determinado para procederem do mesmo modo. Não se encontrando nenhum delegado calatravenho, seria necessário esperar que se efectuasse uma visita, mesmo que esta demorasse alguns meses, ou mesmo anos, a ser concretizada, para que a eleição fosse considerada válida.
Descrito o cerimonial da eleição do Mestre de Avis, vários aspectos nos parecem merecer uma certa reflexão. Em primeiro lugar, está o facto de ser um grupo determinado de freires o responsável pela escolha do mestre: os Treze constituem, com efeito, um elemento-chave em toda a eleição, e as suas funções surgem um pouco mais definidas nos documentos agora analisados. Este orgão colegial era, aliás, já conhecido na Ordem de Alcântara, graças igualmente a textos de visitas efectuadas por freires de Calatrava ao convento principal daquela milícia. E embora a documentação portuguesa seja omissa relativamente ao modo como os treze cavaleiros eram escolhidos, não nos repugna aceitar que, tal como acontecia em Alcântara, eles fossem designados em capítulo pelos restantes freires, com o objectivo de eleger o mestre. Segundo as regras da Ordem seria o comendador-mor quem governava a milícia na ausência do Mestre (em tempo de paz e de guerra) e sempre que o Mestrado se encontrava vago. Pertencia-lhe, como já foi referido, convocar o Capítulo Geral para a eleição do Mestre. Os Treze escolhidos então participavam no processo eleitoral como foi dito, mas, ao contrário do que se passava por exemplo na Ordem de Santiago, não teriam qualquer outra função da milícia. São vários os casos conhecidos em que o comendador mor foi escolhido para ocupar a dignidade mestral. Mas quando tal não acontecia, o novo mestre decidiria a sua substituição ou não. Esta situação ter-se-á verificado até pelo menos 1397, altura em que também este passa a ser eleito pelo conjunto dos freires.
Em segundo lugar, parece-nos importante salientar que a escolha feita pelos Treze podia não ser do total agrado do restante convento. E tal terá acontecido, por exemplo, em 1311, altura em que devido a gran descordia que era antre os freires da Ordin d'Avis pera fazer seu maestre, uma vez que alguuns dos freires que eram da parte de don Airas Affonso comendador moor tomavam receança de Garcia Peres do Casal, que era o mestre eleito pelos Treze, o rei Dinis I intervém no processo, sem no entanto pôr em causa a eleição já feita. Posta a questão nestes termos, a intervenção régia reveste-se da maior importância: de facto, estando escolhido um mestre pertencente a uma família intimamente relacionada com a monarquia, os Casal, compreende-se que os comendadores da Ordem tenham apelado ao rei no sentido de poderem manter as suas dignidades ou cargos: e eu falei com o dicto Garcia Perez e soom certo sendo el comigo falou que assi como he minha voontade guardara todas estas cousas, que afinal mais não eram que manter todolos comendadores cada huum en sa comenda como a ante tiinha e cada huum official en aquel offizio que ante tiinha. Deste modo, o monarca não só mantinha à frente da Ordem um homem da sua confiança, como controlava os detentores de cargos e dignidades da milícia. Por outro lado, e porque no documento em referência o rei autoriza os possíveis lesados com a infracção do disposto a viir a mim querelarx me sem serem considerados desobedientes ao mestre ou às mais altas dignidades da milícia, o monarca permite-se interferir na própria regra da Ordem, abrindo uma excepção que afinal era largamente gravosa para o exercício da autoridade do principal cavaleiro da milícia». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FLdoPorto/JDACT