Cortesia
de wikipedia e jdact
Identificação
das instituidoras
«(…)
Para lá destas similitudes, encontramos, entre elas, várias dissemelhanças, que
correspondem a personalidades distintas e traduzem diferenças de estatuto económico
e social. Sendo embora ricas, as três donas usufruem de distintos níveis de
riqueza. Comparando o volume de bens das capelas inventariados e medidos em 1535,
é, de todo, visível que o primeiro lugar cabe à capela de Maria Raimundo. Além
de duas casas e dum quintal, chamado da Palmeira, compreende várias propriedades
rústicas: a herdade da Amoreira, com uns 60 ha, 9 courelas e um fio de terra,
perfazendo uma área total de cerca de 100ha. Em segundo lugar, vem a capela de
Maria Eanes Garavinha que possui um quintal na vila, uma vinha junto a Nossa
Senhora-a-Nova que mede uns 3 ha e a herdade da Gravinha que tem cerca de 65 ha.
A capela de Maria Simões é mais modesta. Detém uma casa na vila e algumas
propriedades rústicas com uma área total de uns 21 ha: 5 courelas e 2 fios de
terra, ou seja, pequenas courelas particularmente estreitas e alongadas que
dificilmente excedem o meio hectare (em 1641, a herdade da Amoreira rendia anualmente
36 moios e 10 alqueires de pão terçado, cabendo à igreja 3/4 deste rendimento,
segundo o costume das capelas de Coruche. A herdade da Gravinha rendia para a
igreja 20 moios, enquanto a courela maior da capela de Maria Simões lhe proporcionava
somente 3 moios). Traço comum a reter: todas as propriedades rústicas das três
capelas se localizam nas férteis margens do rio Sorraia. Porém, os bens
arrolados em 1535 não são propriamente coincidentes com os que se acham
enumerados nos compromissos das capelas. Isto deve-se às diferentes competências
dos administradores das mesmas, mas, mais do que isso, ao modo como foi
concebida pelas instituidoras a gestão dos seus patrimónios. Se Maria Raimundo
adquiriu por compra algumas propriedades para execução das suas disposições
testamentárias, Maria Garavinha, pelo contrário, mandou vender 5 herdades e as
vinhas da Várzea para cumprimento das suas últimas vontades. Quanto a Maria
Simões, limitou-se a ordenar que os bens remanescentes ficariam para a sua
capela, sem que, à partida, enumerasse tais bens. Os diferentes níveis de
fortuna parecem ter as suas equivalências em diferenças de estado e de condição
das referidas donas, que procuramos apreender através da leitura atenta dos
seus testamentos. Conjugando estes dados com outros elementos informativos
exteriores àquelas fontes, tentaremos, ainda que provisoriamente, identificar
as personalidades em causa.
O
testamento de Maria Raimundo é aquele que, de longe, nos fornece maior riqueza
informativa. Moradora e vizinha de Coruche, era filha de Raimundo Martins e foi
casada com dois cavaleiros cuja identidade desconhecemos. Era certamente uma
dona de linhagem. É possível que as cortes de dona Maria e de Arnaco (sic)
Raimundo, situadas no termo de Benavente e disputadas, em 1393, entre a coroa e
a ordem de Avis, tenham pertencido a algum membro da sua família. Poderemos
aventar a hipótese de que Maria Raimundo pertencia aos Riba de Vizela, família
de ricos-homens que, graças à sua ligação à corte, no tempo de Afonso III,
alargou a sua influência ao sul do país, nomeadamente ao concelho de Santarém,
onde tinha propriedades. Pelo seu testamento, verificamos que é aparentada com
os Barretos, pois arreda os descendentes de Urraca Pais, viúva de Afonso
Barreto. Na realidade, esta família de cavaleiros está ligada aos Riba de
Vizela e tinha igualmente bens fundiários no termo de Santarém (Urraca
Domingues (Barreta) filha de um vilão rico de Santarém, casou com Fernão
Martins Curutelo, personagem da corte de Afonso III, que vive em Santarém,
junto do postigo do mesmo nome: é curioso notar que uma das propriedades mencionadas
no testamento em análise é o herdamento do Curutelo, prova de que os campos de Coruche
também foram um fruto apetecível para os nobres cavaleiros nortenhos). Pela mesma
fonte, verificamos que Maria Raimundo era prima de Maria Martins, viúva de
Aires Pais Bugalho. Este era irmão de Rui Pais Bugalho, cavaleiro e privado de Dinis
I, que casou em Santarém com Urraca Eanes, de quem teve vários filhos, entre os
quais Fernão Rodrigues Bugalho, alcaide de Lisboa. A nobilitação desta família
parece decorrer dos cargos de açoreiro ou falcoeiro da corte. De proveniência
nortenha, tal como as famílias anteriores, os Bugalhos acabaram por se radicar
nas regiões meridionais, tendo como suporte a protecção e a privança régia. Um
dos concelhos onde o seu património fundiário se localiza é o de Santarém,
sendo provável que o próprio Rui Pais Bugalho seja proprietário no termo de
Coruche (dado que duas propriedades adquiridas pela instituidora para a sua
capela pertenceram a Rui Pais Agulha, é possível que, por erro de cópia,
Bugalho tenha passado a Agulha)». In Maria Ângela Beirante, Salvação e Memória
de Três Donas Coruchenses do século XIV, Território do Sagrado, Edições
Colibri, 2011, ISBN 978-989-689-109-1.
Cortesia
de EColibri/JDACT