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Valores como a esperança e a justiça são transpostos, analisa o investigador.
Mas não só. segundo Mieder, os contos explicitam verdades sobre o ser humano, o
que os torna atemporais e independentes de universos culturais específicos. Na
maioria das lendas, das fábulas e dos contos estão representados os problemas
arquetípicos do ser humano, mas através de uma linguagem poética e simbólica.
Assim, podemos identificar-nos para além das fronteiras entre as culturas, conclui
o investigador, que tem vindo a observar que o fantástico e o folclore têm sido
recuperados precisamente pela necessidade do homem de sentir uma ligação à
terra e ao seu passado. É assim que as lendas passam a fazer parte da cultura e
da história dos povos, sendo alicerces vitais para a sua identidade, tal como
explica o professor e investigador de património oral da universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro, Alexandre Parafita: a lenda é um relato
transmitido por tradição oral de factos ou acontecimentos aos quais o povo
atribui um fundo de verdade. Geralmente têm algo que é real e algo que é fruto
da imaginação popular. A lenda é, por isso, mais histórica e mais verdadeira do
que o conto. Não é por acaso que a lenda raramente começa, tal como o conto,
com a fórmula era uma yez, uma fórmula que nos remete, desde logo, para um
passado e um lugar longínquos e indefinidos. Por isso, cada comunidade
conserva afincadamente as suas lendas, pois o povo, através delas, conta também
a sua história.
Finalmente,
a pergunta a que ninguém resiste: existem seres fantásticos? É claro que sim!
Existem naquele secreto lugar do inconsciente que teima em não abandonar as
deliciosas reminiscências dos contos da infância e que faz de nós adultos mais
idealistas e com mais recursos. No final desta investigação, quase em jeito de
resposta sobre a pertinência do trabalho que estava a desenvolver, deparei com
uma notícia surpreendente: a construção de uma estrada a sul de Reiquiavique foi
interrompida porque iria destruir um habitat de elfos. O caso está à espera de
uma decisão do Supremo Tribunal da Islândia, onde todos os anos dão entrada
vários processos pelo mesmo motivo. A estrada passaria por um campo de lava
natural que, segundo o grupo Amigos da Lava, iria atravessar um habitat de
elfos e uma catedral. A igreja dos elfos é conectada através da energia da luz
com outras igrejas, outros lugares, explicava a um jornal Ragnhildur
Jónsdóttir, islandês que afirma ver elfos, acrescentando que se uma igreja é
destruída..., bom, isso não é uma coisa boa. Ora, em 2007, uma pesquisa concluiu
que cerca de 62 por cento dos entrevistados islandeses acreditava na
possibilidade de existirem elfos. Perante isto, resta-me esperar que esta colecção
de histórias sirva para deleite de todos aqueles que acreditam ou que gostavam
de acreditar...
Lobisomens
e Corolários
Motivo
inspirador de várias crenças, o lobisomem é uma das mais conhecidas personagens
mitológicas e protagonista favorito de muitas lendas portuguesas de norte a sul
do País. A designação refere-se à transmutação de um ser humano que, por via de
uma maldição ou castigo divino, e apenas em determinadas circunstâncias,
adquire a forma e a conduta do lobo. Mas esta assustadora figura lendária tem
origens muito antigas e alcance quase universal. Os Romanos chamaram-lhe versipélio,
os eslavos volkodlák, os saxões werewolf, ou dracopyre, os
franceses loup-garou. Na América Central e do Sul é referido como lubiszon
ou lubishome, sendo esta uma das áreas geográficas do globo onde este
género de lendas está ainda muito viva. De entre as várias superstições e
maldições invocadas para justificar a aparição e o fado de um lobisomem, uma
das mais populares em Portugal refere-se ao nascimento de setes filhos do mesmo
sexo, sendo o sétimo amaldiçoado! São também comuns as lendas sugerindo que o
lobisomem tem de percorrer sete cemitérios, passar por sete encruzilhadas, em
sete freguesias, para poder retornar à sua forma humana, antes do amanhecer». In
Vanessa Fidalgo, Histórias de um Portugal Assombrado, 2012, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-371-3.
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