quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Um Céu Sempre Azul. Thomas McGuane. «Gracie vestira-se para viajar: jeans, um sweater. de algodão ajustado à cintura, sapatilhas de ténis, os longos cabelos negros entrançados e enrolados no alto da cabeça»

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«Frank Copenhaver pôs as malas de sua mulher, Gracie, no porta-bagagens do Electra e abriu-lhe a porta. Ela entrou. Contornou a frente do carro, circunspecto, e entrou. Inclinou-se sobre o volante para contemplar a casa, como se fosse ele, e não Gracie, a contemplá-la pela última vez. Uma pêga passou no seu campo de visão. Era um sinal para Gracie, no caso de ela não ter percebido ser aquela a sua oportunidade. Não queria que a meio caminho do Arizona ela constatasse, na sua tristeza, ter esquecido algo tão importante. Já seguiam viagem, quando ele disse: dispomos de uns minutos extra, deixa-me optar pela via panorâmica. Oh, Frank, oh não, por favor, não pela via panorâmica, disse Gracie. Ele não lhe deu ouvidos. Enquanto guiava, ia falando da disputa entre a Keilogg's e a General Mills por causa do negócio dos cereais, que envolvia sete mil e quinhentos milhões de dólares, apercebendo-se demasiado tarde de que isso podia parecer uma tentativa de prefigurar o seu processo de divórcio e a respectiva conclusão. Tentou até ser mais específico, evitar tal associação, discorrendo sobre Cheerios e Wheaties, Rice Krispies e Raisin Bran; e, considerando o estado das suas próprias vidas, dando imenso destaque ao facto de Tony the Tiger autografar bolas de basebol nos armazéns Safeway.
Gracie vestira-se para viajar: jeans, um sweater. de algodão ajustado à cintura, sapatilhas de ténis, os longos cabelos negros entrançados e enrolados no alto da cabeça. Embora já não fosse nova, era bonita, bastante jovem para mãe de uma estudante universitária. Levava óculos de montanha com palas laterais em couro. Parecia não reparar nos vulgares subúrbios e não prestou muita atenção quando Frank parou diante da sua, deles, clínica em Alder Street e observou com visível satisfação os pacientes andando para lá e para cá ao longo do arejado e moderno átrio. Havia pouco tempo que eram proprietários da clínica, e os muitos álamos de viveiro achavam-se ainda sustentados por estacas e arames; além disso, os canteiros das plantas anuais mostravam uma estranha uniformidade. Frank deu mais uma volta para poder ver o edifício de lado e depois seguiu para o Kid Royale, o seu projecto de estimação.  O Kid Royale Hotel ficava a curta distância da estação de caminho de ferro territorial de Deadrock e era um dos monumentos da fronteira do Montana. Frank ia restaurá-lo na sua glória original, com cocheiras para as diligências, varões para atar as rédeas e vestíbulo abobadado. Estava agora em mau estado e erguia-se, com anúncios esmaecidos a tabacos e refrescos pintados na parede lateral, no meio duma vizinhança que ia dando lugar a construções efémeras e indústria ligeira. O sucesso daquele projecto seria provavelmente decisivo para que Frank se deixasse cativar por essa pequena cidade. E era quase sem ironia que encarava aceitar aquele encargo. Podemos dispensar o minimercado?, perguntou Gracie. Está a fazer-se tarde. Frank conseguiu incluir as instalações do minimercado no passeio pitoresco, apesar de Gracie se encostar desolada à ilharga do carro». In Thomas McGuane, Um Céu Sempre Azul, 2010, Quetzal Editores, 2012, ISBN 978-989-722-040-1.

Cortesia de QuetzalE/JDACT