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Gulosa de homens ricos, famosos e poderosos, estava sempre à espreita da primeira
ocasião de encontrar um grande capitalista ou um herdeiro de sangue azul, com
muitos e grandes apelidos, dispostos a arruinar se por ela. Ao longo dos anos,
deslumbrou e inebriou altas personagens da sociedade parisiense, que se
deixaram apanhar na sua rede e se entregaram a ela com toda a alma. O
compositor e pianista Henri Herz, um dos mais requisitados do seu tempo, foi o primeiro
a sentir-se impotente contra as suas seduções e a encontrar-se inteiramente à
sua mercê: por causa dela desembolsou quase toda a sua fortuna. Para o irmão do
pianista, Jacques, que também era sócio do negócio de família (uma conceituada
fábrica de pianos e uma sala de espectáculos, a mais concorrida da cidade), a
Paiva era o diabo personificado, um autêntico sorvedoiro de dinheiro sem fundo,
e tudo fez para malograr as suas intenções, no que foi bem-sucedido,
expulsando-a do núcleo dos Herz.
Nos
primeiros tempos aguentou-se bem, mas depois teve de empenhar as suas jóias e
encontrar alguns aposentos baratos. De regresso aos horrores da prostituição de
rua, instalada numa pensão infecta de terceira categoria, viu-se outra vez numa
situação difícil, na estaca zero. Reduzida à miséria, privada de qualquer amparo,
de ta1 maneira que durante uma doença grave que a subjugou nem sequer podia pagar
os remédios, jurou que se levantaria e que ainda seria uma das mulheres mais
ricas do seu tempo. Estava tão certa de o conseguir que convenceu o escritor
Théophile Gautier, que a conheceu de perto e foi seu confidente, de que no futuro
seria proprietária de um dos palacetes mais luxuosos dos campos Elísios, que
escreveria uma página da história de Franca e que não lhe faltariam os
biógrafos para fazer a narração das suas conquistas.
Dotada
de espírito forte e de personalidade rigorosa, com grande olfacto ou intuição
para os contactos e os negócios, consegui, reunir energias e foi para Londres,
onde seduziu o opulento lord Stanley, futuro primeiro-ministro de Inglaterra, que
muito lhe apreciou os encantos. Anos mais tarde, de volta a Paris, foi
frequentada por Antoine Alfred Agénor Guiche, mais tarde duque de Gramont,
príncipe de Bidache e ministro de Assuntos Exteriores de Napoleão III, e
mereceu a ascensão ao cortesanato. Depois conheceu o português Albino Araújo
Paiva, nascido em Macau, um malandro acabado que se auto-intitulava marquês,
viciado em mulheres e no jogo (por causa disso, levou a mãe, que vivia no Porto
à miséria). Quando nada mais lhe restava, convenceu-o a casarem: ela pagava-lhe
as dívidas, ele transmitia-lhe o título (depois da aparência física, uma das
primeiras coisas antes de chamar a atenção e causar alvoroço era escolher um nome
apropriado). Quando não precisou mais dele, abandonou-o à sua sorte e deixou
que se suicidasse com um tiro no peito.
As
horas que lhe ficavam livres, sem clientes, consagrava-as aos negócios e à pura
distracção, passeios a cavalo, compras (escolhia vestidos caros e chapéus e
comprava joias), jantares e ópera, de que eta assídua espectadora. Nunca se
sentiu só no mundo nem nunca precisou da família. Ninguém sabia o que ela realmente
pensava, ninguém sabia o que ia no íntimo da sua alma, nem nunca revelou a sua verdadeira
identidade. Que abismos levava dentro dela? Que espaço ocuparia na sua memória
a recordação dos primeiros dois anos de vida do filho? E dos pais, que nunca
mais viu? Que motivos ocultos terão inspirado a resolução de abandonar o marido
e ir para Paris? Que imagens do seu passado lhe apareciam subitamente? Ter-lhe-á
pesado alguma vez a consciência? Ter-lhe-á sangrado alguma vez o coração?
A
última e a mais preciosa de todas as suas conquistas foi o conde prussiano Guido
Henckel von Donnersmarck, um dos grandes milionários da Europa, que a pediu em
casamento, poucas pessoas conseguem uma primeira oportunidade e quase nenhumas
têm direito à segunda, a marquesa de Paiva teve direito a três (e ainda conseguiu
que Roma anulasse o casamento anterior), e lhe ofereceu castelos, palacetes,
jóias, obras de arte, riquezas imensas. Com os milhões do alemão, mandou
construir, em 1855, um sumptuoso e faustoso palacete nos Campos Elísios, um
exemplo maior da arquitectura do Segundo Império, o único que ainda hoje
subsiste naquela avenida e que deixou um rasto indelével na memória parisiense (considerado
hoje património nacional)». In João Pedro George, Marquesa de Paiva
(1819-1884), Publicações dom Quixote, 2015, ISBN 978-972-205-675-5.
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