Cortesia
de wikipedia e jdact
Agosto
de 1798
«A cada
minuto que passa, fico mais aliviada por ser um casamento pequeno, admitiu
Emma. Fitou o espelho enquanto a sua criada pessoal lhe colocava mais um adorno
na coroa ouro velho. Eu, pelo contrário, a cada minuto que passa, gostaria que
fosse maior, declarou Cassandra. Acenou à criada que se afastasse e assumiu o
arranjo do toucado. Forrado a seda branca e ornado com pérolas minúsculas e uma
discreta pena branca, o adereço era vistoso, mas sem espalhafato, tal como convinha
a uma noiva já de idade madura, e não acabada de cursar a sua primeira
temporada. A idade de Emma era uma das razões para a dimensão da cerimónia. As
outras eram a localização no campo, a dispersão da alta sociedade por todo o
reino em Agosto e talvez um certo desejo da parte de Emma de não ser o centro
de uma assembleia. Num casamento grande conseguimos evitar as pessoas que
desejamos evitar sem sermos óbvias, notou Cassandra ao mesmo tempo que prendia
dois ganchos. Claro que você, sendo a noiva, não tem hipóteses de o fazer, mas
os convidados sim. Emma olhou para a amiga no espelho. Está à espera de ser
ignorada por alguém? Foi por essa razão que só ontem veio da cidade? Por sinal,
estava a pensar que provavelmente eu
é que terei vontade de evitar alguns dos convidados, desabafou
Cassandra com uma gargalhada. Atrasei-me porque o meu irmão insistiu em
fazer-me uma visita. É uma boa amiga, por se preocupar com a forma como a
sociedade irá receber-me, mas inquieta-se em vão. Os parentes e os amigos do
Southwaite nunca o insultariam, nem a si, dessa forma.
Desejou
poder partilhar com Emma a razão real que a levara a atrasar a saída de
Londres. A amiga tinha muito bom senso e poderia aconselhá-la sobre a melhor
forma de lidar com as ameaças que Gerald, o irmão, conde de Barrowmore, tinha
feito a respeito da tia Sophie. Há um ano, Emma teria com toda a probabilidade
encontrado forma de lhe emprestar o dinheiro que, tão abruptamente, se tornara
imprescindível para frustrar os planos nefastos de Gerald. Contudo, seria
egoísta da sua parte ensombrar o dia de casamento de uma amiga com histórias infelizes.
Emma estava prestes a tornar-se a mais recente condessa de Southwaite e a
liberdade que teria para ajudar uma amiga encontrava-se condicionada por deveres
maiores. Assim como por um marido que não simpatizava por aí além com a dita
amiga. Emma voltou-se para trás. A expressão do rosto sugeria que pressentia o
tumulto interior de Cassandra. Puxou a amiga para si e abraçou-a, encostando a
cabeça ao seu corpo. Obrigada por ter vindo, mesmo mais tarde do que o
planeado. Se não o tivesse feito, teria de me arranjar completamente sozinha,
apenas com a criada, e sem ninguém com quem me rir para acalmar os nervos. Cassandra
fez-lhe uma festa na cabeça, deslizando a mão pelos caracóis que lhe caíam
sobre os ombros. Emma tinha vinte e cinco anos, mais dois do que ela, mas, no
que respeitava às coisas mundanas, não era raro Cassandra pensar nela como uma
irmã mais nova. Saboreou o abraço, especialmente porque, caso não obtivesse
meios para colocar a tia Sophie a salvo de Gerald, não haveria muitos mais.
É a
minha melhor amiga, Emma, e que amiga excepcional. Entre as qualidades mais
notáveis de Emma constavam a capacidade de discordar sem censurar e de aceitar
as escolhas das amigas sem exigir explicações. Não faltaria por nada neste
mundo. Pegou na bolsa dela, que tinha pousado em cima da cadeira. E agora, um
pouco de cor nos lábios e nas maçãs do rosto. Sabe que não uso pinturas. É só
um bocadinho, Emma. Só desta vez, para não ficar com esse ar de fantasma
assustado. Emma fez uma careta quando se espreitou no espelho. Estou um
bocadinho pálida, não estou? Pareço mesmo um bocadinho assustada? Um bocadinho,
é dizer pouco. Além do mais, sem razão nenhuma. Não é que a espere um grande mistério
quando forem para o quarto. Ele tem-se comportado como um cavalheiro, esta
semana, e mantido as distâncias, para não se dar o caso de sair da sua cama
directamente para a cerimónia? Emma corou. Como é que adivinhou? Ele tem-se
comportado com toda a discrição. Que desconsolo que não deve ter sido! O rosto
de Emma ficou escarlate. Olharam uma para a outra e desataram a rir-se. Deve
ser para a deixar ansiosa pela primeira vez oficial, provocou Cassandra. Julgo que a presença das tias e da
irmã lhe refreou os ânimos. Passou a ser o paradigma da virtude no dia em que
elas chegaram. Isso é porque as tias são umas coscuvilheiras implacáveis.
Provavelmente presumem que a única justificação possível para este casamento é
a Emma estar grávida. Não me chocaria nada ficar a saber que se revezavam para
montar vigilância, à noite, para o apanhar a esgueirar-se para o seu quarto. Hortense
deve ter trazido um monóculo especificamente para esse propósito, gracejou Emma
com um risinho. Na verdade, é mais provável que Darius não quisesse
escandalizar Lydia. Cassandra aplicou um pouco de pintura e espalhou-a pela
face de Emma até obter um blush
ligeiro. O conde de Southwaite, com quem Emma, dentro de uma hora, estaria
casada, tratava a irmã Lydia como uma colegial, embora esta tivesse vinte e
dois anos. De forma a preservar a inocência dela, proibira-a de fazer amizade
com Cassandra, uma das razões pelas quais esta não nutria particular apreço por
ele. Atendendo ao preconceito com que Southwaite a considerava, não esperara
receber um convite para o casamento. Era óbvio que Emma levara a melhor. Apesar
dos defeitos que tinha, ele amava-a desmesuradamente. Restaria saber se daí a
alguns meses continuaria a fazer a vontade à mulher, caso Cassandra ficasse em
Inglaterra. Não acreditava que nem uma coisa nem outra viessem a verificar-se.
Por esse facto, os preparativos que vivia com Emma tinham algo de enternecedor.
Prontinha». In Madeline Hunter, O Desejo de Lady Cassandra, Edições ASA, 2013, ISBN
978-989-233-534-6.
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