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A meio da escada ficara paralisada ao ouvir um gemido distante e lastimoso. Por
alguns instantes, pensou tratar-se da sua imaginação, ou melhor, desejou que
assim fosse, pois eram queixumes terríveis de um homem cuja existência seria certamente
uma extensa agonia. Muitos prisioneiros com menos sorte que ela, estavam
encerrados em celas sem janelas, escuras e frias, dormindo sobre palha
bolorenta, com as articulações doridas e a pele coberta de pústulas das picadas
de pulgas e piolhos. Bom Deus, murmurara repetidamente Isabel, tentando calar aquele
som. Ao chegar ao segundo patamar, uma mão surgida das trevas agarrou-lhe o
pulso. Voltou-se, sobressaltada, e viu o rosto belo e ousado de Robin Dudley
iluminar a escuridão das escadas da torre. Isabel, graças a Deus! Com um enorme
suspiro, pois não havia palavras que exprimissem o profundo alívio, e o amor
arrebatado que sentia pelo seu velho amigo, apoiou-se no seu peito, deixando
que ele lhe abraçasse o corpo trémulo. Agitada por soluços, molhou com as suas
lágrimas escaldantes a capa de Robin que a abraçou com força e lhe falou num
apressado murmúrio, sabendo ambos que aquele instante furtivo em breve
terminaria. Tratam-vos bem?, perguntou. Bastante bem. Isabel fungou, retomando
por fim a compostura. E a vós?, espreitou-o à luz vacilante da vela. Robin,
estais tão magro, tocou-lhe a face encovada. A comida que nos trazem é
boa, mas tenho estado adoentado nas últimas semanas. Não o disse, porém
Isabel adivinhou que o seu abatimento se devia à execução de seu pai e irmão
mais velhos. Lamento o sucedido a vosso pai e a John. Como estão os outros? Os
meus irmãos estão bem. A prisão não é tão horrível quando se está em companhia
da família, mas a mim mantêm-me isolado numa cela por baixo daquela em que eles
se encontram. Os Dudley tinham sido encarcerados pela sua participação na frustrada
conjura para colocar no trono lady Jane
Grey, com intenção de que Guilford, seu próprio filho e marido desta, fosse coroado
rei. Talvez que, reflectiu Isabel em voz alta, o facto de haverdes sido o único
dos vossos irmãos a proclamar Jane rainha, na praça de King’s Lynn, tenha
ofendido Maria o suficiente para vos mandar isolar. Que importa!, exclamou
Dudley apartando-se relutante do abraço de Isabel e segurando-a a alguma
distância. Dizei-me como estais. Se alguma vez alguém esteve preso injustamente,
esse alguém fostes vós. Era verdade. O seu próprio encarceramento era o
resultado da revolta do jovem Thomas Wyatt, que, no seguimento da sublevação
dos Dudleys se tinha oposto ao noivado de Maria com Filipe de Espanha, um
príncipe estrangeiro. Mas não será lógico que Maria julgue que eu fui cúmplice,
Robin? O objectivo da conjura era depô-la e colocar-me a mim no trono. Sem
escutar as razões da própria irmã? Escrevi-lhe
várias cartas, implorei-lhe audiências e nenhuma delas foi respondida ou
concedida. Aquele maldito espanhol De Quandra, sempre me odiou. Envenena-lhe o
espírito contra mim. Porém, nunca encontrarão prova fiável do meu envolvimento
na intriga do pobre Wyatt. E quem necessita de uma prova fiável?, murmurou Robin
com desalento. É mais provável morrermos pelas palavras falsas do inimigo do
que por acusação verdadeira.
O
terrível lamento ergueu-se mais uma vez das entranhas da prisão, ecoando na
escada escura, como que para recordar aos dois jovens prisioneiros qual seria o
seu destino. E as corridas das ratazanas junto aos pés, fê-los estremecer de
fria repugnância. Não deveríamos apagar a vela? Se nos encontram juntos aqui,
será o nosso fim. Dudley lançou-lhe um olhar desesperado e apagou a vela. A
escuridão abateu-se sobre eles como uma cortina de veludo negro que,
paradoxalmente, em lugar de amortecer os sons, antes parecia amplificá-los.
Temiam que a própria respiração os pudesse denunciar, de modo que se abraçaram
de novo. Isabel teve de imediato a consciência da proximidade do corpo de
Robin, do calor húmido do seu hálito junto ao rosto, da mão que lhe segurava a cintura, unindo-os como as flores do
mesmo ramo. Porém, o que mais a sobressaltou foi o formigueiro que sentiu entre
as coxas e que a fez ficar tão afogueada que imaginou poder Robin notá-lo,
mesmo na escuridão. Logo foi possuída por um sentimento de culpa e vergonha. Como
vão as coisas com Amy?, perguntou então. Imaginou sentir que o abraço de Robin
afrouxara um pouco, como se a pergunta sobre a esposa deste lhe tivesse suscitado
remorsos. Mas a voz dele era firme, quando lhe respondeu: há quinze dias atrás,
permitiram-lhe a ela e as esposas de meus irmãos que nos visitassem. Teme pela
minha vida e... Fez uma pausa, como se não desejasse dar a conhecer o
pensamento: sente muito a minha falta». In
Robin Maxwell, O Diário Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor
1, 2002, ISBN 978-972-731-131-6.
Cortesia de
PEditora/JDACT