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O contributo de Jaime Cortesão. Concretização do sonho
«(…)
Esta última carta foi escrita durante a polémica que o opôs a Cortesão nas
páginas de A vida Portuguesa. Ela confirma a ruptura de Sérgio com a Renascença
evidenciando, como principal motivo, a divergência em relação ao credo da
Saudade que Pascoaes pretendia impor como doutrina do movimento. Sérgio explica
mais tarde os fundamentos do seu afastamento da Renascença considerando que no
seu interior existiam dois ramos divergentes que alimentavam dois sectores
socialmente antagónicos, a saber: o ramo anti-intelectualista e o ramo intelectualista.
Sérgio filiava-se no segundo, radicando a sua divergência na oposição à
tendência saudosista que Pascoaes apresentou como sendo a doutrina de toda a
Renascença: resolvi declarar o meu desacordo com todos os anti-intelectuais e
saudosismos, e seguir sozinho o meu rumo próprio aproveitando as facilidades de
carácter editorial que a Renascença Portuguesa me proporcionava. Tendência que
determina também o afastamento e a dissidência do grupo de Lisboa, explicada
por Proença com alguns dos argumentos utilizados por Sérgio. Não existiu pois
uma ruptura total com a Renascença e as suas iniciativas. Embora discordando da
tendência saudosista que Pascoaes lhe imprimiu, continuam a vincular-se aos
objectivos mais gerais dos Estatutos da Sociedade, que propugnavam pela promoção
de uma cultura mais abrangente do povo português, por meios diversos e tendo por
suporte uma intenção de intervenção cívica e cultural dos intelectuais: em suma,
passam da dissidência a uma colaboração distanciada, pontual e crítica.
Retomemos, entretanto, o rumo de Cortesão que seguia entusiasticamente
a sua obra no seio da Renascença, sobretudo com o lançamento de A Vida
Portuguesa. cujo primeiro número seria publicado em 31 de Outubro de 1912. Para
além das iniciativas pedagógicas, Cortesão publica na 2ª série de A Águia artigos
de reflexão e alguns poemas. Interessa-nos destacar um desses artigos porque nele
se determina com maior precisão a sua posição face às tendências que se formaram
na Renascença. Constitui, no dizer de António Reis, uma resposta às críticas de
Proença e Sérgio relativamente às orientações da revista e do movimento, embora
sem nenhuma referência directa aos dois amigos. Neste artigo, reconhece que um dos
grandes males dos portugueses seja a fraqueza, o pessimismo, o abandono fatalista
que se projecta numa hesitação da vontade, impulsiva e brusco de carácter efémero
e pouco consistente. Havia então que acordar uma vontade adormecida e o único
meio de o conseguir seria despertando os impulsos afectivos, educando a vontade,
alicerçando-se nas teorias da psicologia experimental de Ribot e Payot.
Um desvanecimento da consciência nacional que teria de ser reafirmada
pela valorização dos sentimentos, da consciência histórica e da fisionomia espiritual
do povo português. As causas desse mal, dessa pantanosa inércia do povo
português, identifica-a Cortesão, na senda de Antero e Herculano e também de
Pascoaes, com a educação jesuítica, que desde o meado do século XVI até hoje ainda
nos não abandonou e que determinou a falta de consciência nacional, que o nosso
povo perdeu ao findar daquele século e que só agora entra palidamente a
afirmar-se. Encontramos então uma valorização da vontade, na linha de Antero e do
movimento do espiritualismo ou idealismo protagonizado por Fouillées, na
formação e educação dos cidadãos no contexto social que integram: sem o alicerce
da vontade não há carácter, e o que se afirma do indivíduo pode igualmente afirmar-se
da colectividade, que, sem os nobres e persistentes caracteres, não realizará obra
de fôlego, qual seja a do ressurgimento da nacionalidade. A ideia de que são os
sentimentos que governam o mundo, na esteira de Spencer, e, citando Michelet na
sua obra Les femmes de la Révolution diz: o advento duma ideia não é tanto a primeira
aparição da sua fórmula, como a sua definitiva incubação, quando, depois de ter
sido aquecida pelo amor, desabrocha, fecunda pela força do coração, só os impulsos
afectivos e vitalistas, os sentimentos originais, poderiam despertar a vontade».
In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais do Pendsamento
Contemporâneo, Ensaio, Política, História e Cidadania, 1884-1940, ASA Editores,
Setembro de 2004, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006, ISBN
972-41-4002-4.