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«No
dia em que surgem as cidades, começa a decadência irremediável da Idade Média feudal
e mística»
«Esta
é a frase lapidar de um grande historiador das cidades medievais: Henri Pirenne.
Se ela é aplicável, nas suas linhas gerais, à história das cidades europeias, de
intensa actividade mercantil, sofre, porém, restrições quando se aborda a problemática
da história urbana na Península Ibérica e, mais concretamente, em Portugal. Estas
restrições provêm, intrinsecamente, dos factores e formas de conjugaçao dos mesmos
que intervieram no renascer das cidades peninsulares. No milénio anterior à reconquista
cristã, os Romanos tinham instalado já na Ibéria uma estrutura urbana, assente num
povoamento de tipo concentrado. Séculos depois, a civilização muçulmana, que
sucedeu à romano-goda, desenvolveu os núcleos urbanos existentes, particularmente
a sul da linha do Tejo. Romanos e Árabes foram homens da cidade. Mas as cidades
romano-árabes da Hispânia foram incorporadas nas novas monarquias neo-godas pela
força das armas, brandidas em nome de um credo. Foi o proselitismo religioso da
cruzada que presidiu à instalação das grandes ordens religiosas: Templo (Cristo,
posteriormente), Hospital, Calatrava (em Portugal, Avis) e Santiago, cuja
presença no centro e sul do território foi notável. Foi a secular necessidade da
luta pela sobrevivência e, depois, pela supremacia de uma civilização
ocidental, irradiando do norte, rude embora, sobre uma civilização mais
requintada e urbana, mediterrânea de influência oriental, que dignificou a classe
dos milites ou cavaleiros e seu chefe supremo, o rei.
[…]
Santarém
no século da Reconquista
O século
XII é uma época genesíaca: época de cruzadas, de canções de gesta, da
proliferação dos reinos de taifas que substituem na Península a unidade política
do brilhante califado de Córdova e permitem, por um lado. as invasões Almorávidas
e Almóadas e, por outro lado, o avanço da reconquista cristã. Este século constitui
um marco decisivo na definição política do reino de Portugal que implantou os seus
limites meridionais nas férteis planícies da Balata (campos situados na
margem direita do Tejo, a jusante de Santarém, identificáveis com os campos de
Valada), nome, aliás, da província ou território árabe mais ocidental. Da importância
da posse de Santarém para o domínio do Ocidente peninsular nos falam, entre
outros factos, os incessantes ataques de que foi alvo por parte de Cristãos e de
Muçulmanos: conquistada por Afonso VI em 1093, foi recuperada pelos Almorávidas
em 1111 e reconquistada definitivamente em 1147 por Afonso Henriques. Esta
conquista, porém, não pôs fim à disputa entre Cristãos e Árabes pelo domínio da
capital da Balata. Assim. por duas vezes (em 1171 e 1184), os Almóadas tentaram
reaver, ainda que inutilmente, este grande centro militar e económico do Andaluz.
A conquista
da Alcáçova
Não
é fácil discernir de maneira clara e distinta certos pontos obscuros da história
de Santarém, como é o caso da sua conquista e do seu perímetro amuralhado. Ambos
os problemas se entrecruzam, porquanto o equacionar do primeiro envolve uma resposta
para o segundo, o que de modo algum parece fácil. Vários são os autores que, ao
falarem da conquista de Santarém em 1147, dão como certo que Afonso I entrou na
cidade pela Porta de Atamarma. Assim o afirmaram, no século XVIII, Luís Montês
Matoso e Inácio Piedade Vasconcelos. Este último autor presume que Mem Ramires
deve ter alcançado a muralha entre a Porta de Atamarma e a subida das Figueiras
na Mouraria, enquanto o irmão do rei teria dado a volta pela direita até à Porta
de Leiria. Data, pelo menos, do século XVI a tradição de que a Porta de Atamarma
(que tinha como um dos acessos a actual calçada de Mem Ramires) fora o lugar de
entrada do Conquistador (a oração que o licenciado Lopo Castanheda fez quando
João III visitou Santarém, a 2 de Junho de 1524). Em 1920, consagrou-se
monumentalmente esta tradição levantando um obelisco na zona da Atamarma. Tal convicção
fundamenta-se, ao que me parece, num certo equívoco de interpretação da fonte documental
que testemunha o acontecimento: o relato da tomada de Santarém, posto na boca do
próprio Afonso Henriques por um monge de Alcobaça, no qual o rei justifica o estratagema
usado na sua conquista com o facto de ser uma povoação excelentemente defendida
(Codex 207 de Alcobaça)». In Maria Ângela V. Rocha Beirante, Santarém
Medieval, Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
(35813), 1ª edição em Português, Dezembro de 1980.
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