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Não
adoro nem pau nem pedra, mas sim Deus que tudo governa
«(…)
Francisco e o seu irmão Diogo dedicavam-se à compra e venda, para os grandes mercados
da Europa do Norte, de pedras preciosas, especiarias e produtos de luxo vindos
para Portugal pelas rotas abertas por Vasco da Gama. Muito rapidamente, ascenderam
a uma posição de primeiro plano, ocupando um lugar de destaque na praça comercial
de Lisboa. Comprando a pronto pagamento carregamentos inteiros de pimenta e especiarias,
já tinham em 1525 praticamente o controlo do seu comércio, trabalhando ao
serviço do rei, único detentor da importação em grosso. Assim à data do seu casamento,
Francisco e o irmão Diogo, que entretanto se estabelecera em Antuérpia, já haviam
construído um império que detinha a primazia do comércio de especiarias em toda
a Europa. Herman Prins Salomon cita uma carta de privilégios de João III a
Francisco Mendes, de 20 de Julho de 1530, que mostra a importância dos Mendes
para a coroa portuguesa: [...] que havendo eu respeito aos serviços que
Francisco Mendes, mercador, morador nesta cidade de Lisboa, tem feito a el-rei meu
Senhor e padre que santa glória haja, e assim a mim, e aos que espero que ao
diante me fará, e por ser dos principais mercadores que tratam na minha Casa da
Índia, me apraz e hei por bem por lhe fazer graça e mercê [...] A família
Luna Mendes não é, pois, uma vulgar família marrana. Pertencia ao pequeno número
de famílias privilegiadas que souberam tornar-se indispensáveis à coroa. Não estavam,
no entanto, ao abrigo das medidas persecutórias, o que contribuía para manter o
sentimento de uma identidade própria e de um destino comum.
Se eu
fosse rei de Lisboa,..., seria rei do mundo
Na primeira
metade do século XVI, sob o reinado de Manuel I, Lisboa estava no apogeu da sua
áurea. Se eu fosse rei de Lisboa, dirá Carlos V, imperador e rei de Espanha (1500-1558),
seria em pouco tempo rei do mundo. A expansão marítima e os seus imensos ganhos
estiveram na origem do desenvolvimento arquitectónico e cultural da cidade: desse
esplendor de outrora restam apenas o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e
o Convento da Madre de Deus, que resistiram ao terramoto de 1755. Mas estes monumentos
dão-nos uma ideia do que seria Lisboa nessa época, uma cidade onde todos os sonhos
pareciam possíveis. Com efeito, Lisboa fervilha de actividade e dinamismo, num ambiente
cosmopolita: desde o século XV, homens de negócios franceses, ingleses, flamengos,
lombardos, genoveses, venezianos, milaneses e espanhóis agitam-se na cidade em torno
de um porto que regista um movimento de quatrocentos a quinhentos navios de carga.
O Terreiro do Paço, construído directamente no areal por gigantescos trabalhos de
terraplanagem, torna-se o novo centro da capital, onde se instala a residência real,
cujo interior luxuoso reflecte a opulência da época. Nas proximidades encontram-se
a Casa da Índia e a Casa da Moeda ligada ao comércio de além-mar, assim como o Arsenal
Militar onde Manuel I monta a sua colecção de armas e peças de artilharia.
No ar,
espalham-se os odores excitantes da canela e noz-moscada armazenadas na Casa da
Índia, crescem os jardins de árvores exóticas que despertam a curiosidade dos
lisboetas, exibem-se leões, camelos, elefantes e rinocerontes. É ao longo dessa
zona nobre, a Ribeira, escreve Dejanirah Couto, que se vai instalar a nobreza urbana,
construindo opulentas e rebuscadas residências, como a Casa dos Bicos edificada
em 1523, cujo proprietário Brás Albuquerque se inspira no palácio renascentista
dito dos Diamantes, em Ferrara. No Mercado da Ribeira vendem-se hortaliças, peixe,
caça, flores e manteigas, para além das especiarias, tâmaras e nozes de coco.
Por sua vez, o Terreiro do Paço é ocupado por vendedores ambulantes que
negoceiam de tudo um pouco, desde a mais simples quinquilharia até objectos de valor
como artefactos em marfim. O ouro e a riqueza do Oriente permitem acumular fortunas
rápidas, cujos sinais exteriores se multiplicam rivalizando no exotismo, no fausto
e na ostentação. Mas são sobretudo os escravos asiáticos, africanos ou mouros, que
emprestam à cidade o seu carácter exótico, levando um viajante espanhol a dizer
que Lisboa parece um tabuleiro de xadrez com tantas peças brancas como pretas».
In
Esther Mucznik, Grácia Nasi, A judia portuguesa do século XVI que desafiou o
seu próprio destino, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-626-244-0.
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