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Com uma postura rígida, saiu da loja e regressou ao cruzamento, onde espreitou
cuidadosamente para verificar se o Estúpido Adónis já havia partido. Não o viu
em lado nenhum. Apressou-se a seguir na direcção contrária, continuando pela
rua da loja até à rua anterior. De forma indirecta, dirigia-se para o local do
encontro. No momento em que, ágil, saía da rua estreita para a via movimentada,
reparou que um cliente se apeava de uma carruagem de aluguer. Sabia sempre a
quantia exacta que tinha na bolsa, e naquele dia seria o suficiente.
Amaldiçoando o tempo e o dinheiro que o Estúpido Adónis lhe custara, saltou
para a carruagem.
Onde
raio é que se tinha enfiado a cabra da francesa? Gavin Norwood, visconde
Kendale, examinou as cabeças que seguiam balouçando pela rua, à procura da
detentora dos longos caracóis castanho-claros que caíam sobre ombros delgados
de mulher. Conseguia localizar Marielle Lyon a um quarteirão de distância sem
qualquer dificuldade. Não era tanto a figura esguia que a identificava, nem
mesmo o cabelo. As suas roupas eram antiquadas e habitualmente Marielle
cobria-se com um xaile comprido, mas não era sequer pelo conhecimento
pormenorizado da sua indumentária que os seus olhos a encontravam. Era, sim, o
andar que a fazia destacar-se. Afectava-lhe o corpo todo. Fazia-o oscilar um
pouco e dava a impressão de que ela ousava apenas dar pequenos passos. A
elegância que o movimento adquiria contrastava com o andar determinado e as
passadas largas de todos os outros que percorriam aquelas ruas cheias de
trabalhadores e homens de negócios. Ela caminhava como uma rainha, o que anulava
todos os esforços que fazia para parecer pobre. Quando a seguira regularmente
na Primavera anterior, muitas vezes ela pensara tê-lo enganado e ter conseguido
escapar-lhe. Ele deixara-a acreditar nisso, mas quase nunca a perdera de vista.
Contudo, naquele dia, talvez tivesse perdido. Aquele oásis de elegância desaparecera.
Se assim fosse, o ajuste de contas que previra teria de ser adiado. A ideia não
contribuía em nada para o seu bom humor. Tinha um mês, no máximo, para tratar
daquele assunto exasperante antes de se dedicar à sua próxima missão.
Incitou
o cavalo a um passo lento, estimando a distância até ao cruzamento seguinte.
Antes de desistir, examinaria os becos que dividiam os edifícios do lado
direito. Quando fugia, Marielle Lyon virava sempre à direita. Acabara de
iniciar a marcha lenta quando algo lhe chamou a atenção. O condutor de um carro
de aluguer voltou-se para trás e falou ao seu passageiro. Um braço magro saiu
da janela quando o braço do condutor se esticou para trás. Trocaram-se moedas.
O condutor levantou as rédeas. Marielle devia estar com pressa. Nunca a vira
solicitar uma carruagem antes. Não tinha dúvidas de que aquele era o braço
dela. A mancha de tinta azul na pele alva e os dedos compridos e finos daquela
mão declaravam que sim.
Seguiu
no encalço da carruagem, mantendo a distância. A vantagem de estar a cavalo era
a possibilidade de observar uma rua inteira de uma perspectiva mais elevada.
Seguira homens apeados por ruas muito mais apinhadas do que aquela, mesmo a
distâncias de trezentos metros. A carruagem virou várias vezes de direcção mas
ele encontrava-a sempre que virava também. Depois de virar pela última vez, foi
quase demasiado fácil encontrá-la. Parara uns trinta metros mais à frente. O
condutor pousou o chicote no banco, tirou uma maçã do casaco e deu-lhe uma
dentada. Ele avançou até conseguir espreitar pela janela. Vazia. Ergueu-se na
sela e perscrutou a rua. A mulher que trouxe até aqui, por onde foi?, perguntou
ao cocheiro». In Madeline Hunter, O Triunfo da Amante, 2013, Edições ASA, 2016, ISBN
978-989-233-697-8.
Cortesia de EASA/JDACT