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de wikipedia e jdact
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No final de mil e seiscentos, a Espanha cedeu a parte ocidental da ilha à
França, que lhe chamou Saint-Domingue e que haveria de se converter na colónia
mais rica do mundo. Na época em que Toulouse Valmorain ali chegou, um terço das
exportações de França, através do açúcar, café, tabaco, algodão, índigo e
cacau, provinha da ilha. Já não havia escravos brancos, mas os negros somavam-se
em centenas de milhares. O cultivo mais exigente era a cana-de-açúcar, o ouro
doce da colónia; cortar a cana, triturá-la e reduzi-la a mosto não era trabalho
de gente, mas sim de besta, como defendiam os plantadores. Valmorain acabava de
fazer vinte anos quando foi convocado para ir à colónia por uma carta angustiante
do agente comercial do seu pai. Quando desembarcou, estava vestido de acordo
com a última moda: punhos de renda, peruca empoada e sapatos de salto alto,
seguro de que os livros de exploração que tinha lido o capacitavam de sobra
para assessorar o pai durante umas semanas. Viajava com um valet, quase
tão galhardo como ele, vários baús com o seu vestuário e os seus livros.
Definia-se como um homem de Letras e, quando regressasse a França, pensava
dedicar-se à ciência. Admirava os filósofos e enciclopedistas, que tanto
impacto tinham tido na Europa nas décadas recentes, e estava de acordo com
algumas das suas ideias liberais: o Contrato Social de Rousseau tinha sido o
seu texto de cabeceira aos dezoito anos. Assim que desembarcou, depois de uma
travessia que por pouco não terminou em tragédia quando enfrentou um furacão no
Caribe, teve a primeira surpresa desagradável: o seu progenitor não o esperava
no porto. Foi recebido pelo agente, um judeu amável, vestido de preto da cabeça
aos pés, que o pôs ao corrente das precauções necessárias para se movimentar
pela ilha, lhe disponibilizou cavalos, um par de mulas para a bagagem, um guia
e um miliciano para que os acompanhassem à habitation Saint-Lazare. O
jovem jamais tinha posto os pés fora de França e tinha prestado muito pouca
atenção às histórias, banais, regra geral, que o pai costumava contar durante
as suas pouco frequentes visitas à família, em Paris. Não imaginou que alguma
vez iria à plantação; o acordo tácito consistia na consolidação da fortuna na
ilha pelo seu pai, enquanto ele cuidava da mãe e das irmãs e supervisionava os
negócios em França. A carta que recebera fazia alusão a problemas de saúde, e
pensou que se tratava de uma febre passageira, mas quando chegou a Saint-Lazare,
depois de um dia de marcha desenfreada através de uma Natureza glutona e
hostil, deu-se conta de que o pai estava a morrer.
Não
sofria de malária, como ele julgava, mas de sífilis, que devastava brancos,
negros e mulatos, indiferentemente. A doença atingira o seu último estado e o
seu pai estava quase inválido, coberto de pústulas, com os dentes a abanar e a
mente entre brumas. As curas dantescas de sangrias, mercúrio e cauterizações do
pénis com arames em brasa não o tinham aliviado, porém, continuavam a
praticá-las como acto de contrição. Acabava de fazer cinquenta anos e estava
convertido num ancião que dava ordens disparatadas, urinava-se sem controlo e
estava sempre numa rede com as suas mascotes, duas pretinhas acabadas de chegar
à puberdade. Enquanto os escravos desencaixotavam a sua bagagem sob as ordens
do valet, um janota que mal tinha aguentado a travessia de barco e
estava espantado com as condições primitivas do lugar, Toulouse Valmorain
ausentou-se para percorrer a vasta propriedade. Nada sabia do cultivo de cana,
mas bastou-lhe aquele passeio para compreender que os escravos estavam
esfomeados e que a plantação só se tinha salvado da ruína porque o mundo consumia
açúcar com uma voracidade crescente. Nos livros de contabilidade, encontrou a
explicação para as más finanças do pai, que não conseguia manter a família em
Paris com o decoro correspondente à sua posição. A produção era um desastre e
os escravos caíam como tordos; não teve dúvida de que os capatazes roubavam,
aproveitando-se da clamorosa deterioração do amo. Amaldiçoou a sua sorte e
dispôs-se a arregaçar as mangas e trabalhar, coisa que nenhum jovem do seu meio
ponderava sequer: o trabalho era para gente de outra classe. Começou por
conseguir um suculento empréstimo graças ao apoio e às ligações com banqueiros
do agente comercial do seu pai, a seguir mandou os commandeurs aos
canaviais, para trabalhar lado a lado com os mesmos que tinham martirizado
antes, e substituiu-os por outros menos depravados, reduziu os castigos e
contratou um veterinário, que passou dois meses em Saint-Lazare a procurar
devolver alguma saúde aos negros. O veterinário não conseguiu salvar o seu valet,
despachado por uma diarreia fulminante em menos de trinta e oito horas.
Valmorain deu-se conta de que os escravos do pai duravam uma média de dezoito meses
entre fugir ou cair mortos de fadiga, muito menos do que noutras plantações. As
mulheres viviam mais do que os homens, mas rendiam menos no trabalho pesado dos
canaviais e tinham o mau hábito de ficarem prenhes. Como sobreviviam muito
poucas crias, os plantadores tinham calculado que a fertilidade entre os negros
era tão baixa que não era rentável. O jovem Valmorain realizou as mudanças
necessárias de forma automática, sem planos e depressa, decidido a avançar a
toda a rapidez, mas quando o pai morreu, uns meses mais tarde, teve de
enfrentar o facto inquestionável de estar falido. Não pretendia deixar os seus
ossos naquela colónia infestada de mosquitos, mas, se partisse antes do tempo,
perderia a plantação, e com ela os lucros e a posição social da sua família em
França. Valmorain não tentou relacionar-se com outros colonos». In
Isabel Allende, A Ilha Debaixo do Mar, 2009, Porto Editora, 2015, ISBN
978-972-001-948-6.
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