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«(…) Não
ousou sequer mexer-se, permanecendo onde estava. Comprou uma figura de um santo,
respondeu o magro e seco, enquanto esfregava o nariz aquilino. Foi só isso. Não
subestimes as mulheres. – Ela não suspeita de nada. Para onde se dirigiu? Perdi-a
de vista no meio da multidão, respondeu o magro e seco. Mas acredita no que te
estou a dizer, ela só veio aqui fazer compras. O acompanhante retirou o
tricórnio da cabeça e passou a mão pelo cabelo negro como as penas de um corvo.
As unhas dos seus polegares tinham o comprimento de um bico de abutre. Embora
estivessem bem cuidadas, o aspecto do conjunto era repugnante. Envergava roupas
caras e lustrosas. Ontem vi o barão. Não confio nele. Ele há de hesitar. Deste
de caras com ele. O barão é um bom actor. Se alguma vez esse homem hesitou,
então terá sido uma manobra para iludir. Como achas que ele faz a exploração
das suas plantações nas propriedades que tem no Brasil? Recorre aos índios. E
esses morrem como moscas, porque não aguentam a dureza dos trabalhos forçados.
Achas que o barão se preocupa com isso? Ele tratou de contratar comerciantes de
escravos que capturam novos índios e mandou transportar centenas de africanos
para a América do Sul.
Mas onde
será afinal Oldenberg o sítio que lhe dá o nome? Não sei nada disso. Estavam
realmente a falar acerca do pai dela. Mas com que modos o faziam! Não poderiam
dar-se conta da sua presença ali. Dalila recolheu-se ainda mais no canto onde
se escondera. É um título honorífico alemão. Há dois anos, foi nomeado primeiro
barão de Oldenberg por um tal Frederico-Augusto, príncipe-bispo de Lübeck. Portanto,
isso não quer dizer nada. Esse Frederico Augusto é o irmão do rei sueco!,
vociferou o alfaiate. E o barão é de tal modo rico que o ouro lhe nasce dos
bolsos. Até há pouco tempo detinha o monopólio real do comércio de tabaco em
Portugal. E há vinte e oito anos que pertence à Ordem de Cristo, sabias disso? Nesse
caso, a razão pela qual foi aceite na ordem já pertence à história e já há
muito não tem qualquer relevância. Heitor, ele é o nosso homem. Só estás a ver
se consegues agradar à jesuíta. Agradar…!, o alfaiate fez um gesto que dava a
entender que não. Com alguém como eu não se envolveria. Mas ela é esperta. O
que aí anda a maquinar pode transformar Portugal por completo.
O melhor
é termos um plano alternativo. Eu vou tratar disso mesmo. Depois, logo vemos
qual de nós alcança primeiro o objectivo. Um plano alternativo? Tens noção de
há quanto tempo a jesuíta anda a trabalhar o barão? Heitor desaferrolhou a
porta, assentou o tricórnio na cabeça e partiu, sem sequer se despedir. Logo
que o outro homem saiu, o magro e seco tratou de, com força, bater com o punho
no balcão. Uma alfineteira caiu ao chão. Ele deu-lhe um pontapé e atirou-a na
direcção de Dalila. Com passos largos abandonou a alfaiataria. Dalila fitou o
Santo António e não ousou sequer respirar. Ainda não há muito que as âncoras do
Fortune tinham tocado o fundo do rio quando da margem, junto às
muralhas, partiu um bote rumo ao navio de três mastros, conduzido por quatro
remadores. Na popa estavam sentados dois guardas portuários, na proa um outro
homem. Os guardas portuários vinham sempre em grupos de dois, para prevenir os
subornos. O homem na proa deveria pertencer à Inquisição (maldita). O tempo que gastavam naqueles disparates! O olhar
de Antero percorreu o porto. O Tejo estendia-se diante de Lisboa como se fosse
um pequeno mar». In Titus Muller, A
Jesuíta de Lisboa, 2010, tradução de Paulo Rêgo, Casa das Letras, 2011, ISBN
978-972-462-047-3.
Cortesia
Cletras/JDACT