sexta-feira, 14 de abril de 2017

O Pecado Espanhol. Carlota Joaquina. Marsilio Cassotti. «Enquanto Maria Luísa estudava atentamente os rascunhos, para evitar que a sua filha viesse a sofrer um inconveniente que marcava a vida de uma princesa estrangeira»

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«(…) Se o resultado final foi fruto de uma subtil estratégia, os principais autores espanhóis da mesma deverão ter-se sentido muito satisfeitos, uma vez que finalmente a proposta foi feita pelo marquês de Louriçal..., e apresentada como ideia sua ao conde de Floridablanca. Uma proposta que naturalmente foi aceite de imediato por parte da corte espanhola. Ao fim de cinquenta anos, e de várias guerras entre ambas as partes, Portugal ia receber como mulher de um dos seus infantes uma infanta espanhola. E este não era um infante qualquer, mas o sucessor de um herdeiro à coroa cuja mulher, de 37 anos, até então nunca tinha engravidado. Com grande delicadeza, que não é possível saber se fruto de requintada ironia ou da candura de uma mulher que sempre viu a vida através de um prisma muito especial, a 21 de Novembro de 1783 a rainha dona Maria escreveu ao tio, o rei de Espanha, uma carta na qual lhe explicava que ela sempre tinha considerado a infanta Carlota como a melhor esposa para o seu filho, o infante João, mas que nunca o tinha proposto devido à pouca idade da menina. Será que a rainha dona Maria aludia às palavras encomiásticas escutadas da boca da sua mãe, dona Maria Ana Vitória, depois da sua viagem a Espanha em 1777, quando o primeiro retrato da infanta pintado por Mengs acabava de ser exposto em todo o seu esplendor em algum dos palácios visitados pela rainha-viúva de Portugal?
S. M. F. continuava a carta dizendo ao tio que, uma vez que este tinha mostrado tão ternamente o agrado que sentia por aquela união, ela lhe pedia que lhe concedesse esse gosto do qual resultariam tantas vantagens para as duas Monarquias. Juntamente com a concessão da mão da sua neta Carlota ao infante João, Carlos III solicitou à rainha dona Maria a mão da mais nova das suas filhas, a infanta Maria Ana, para se casar com o infante Gabriel, que não só era o seu filho mais querido, como também o sucessor directo do irmão, o príncipe das Astúrias. Uma proposta que a rainha de Portugal aceitou de muito bom grado. Não apenas porque indubitavelmente a protegia das críticas de alguns cortesãos portugueses, perante a iminente chegada de uma infanta espanhola, mas também porque, anteriormente, dona Maria tinha proposto a Carlos III que essa filha se casasse com o filho do duque de Parma. Desta forma, o resultado obtido foi, não apenas mais prestigioso, como também de maior valor político. Certamente também muito respeitoso em relação ao vizinho português.
Assim, Carlos III oferecia a dona Maria argumentos para enfrentar os opositores a um matrimónio espanhol para o infante, aos quais podia dizer que, se bem que não se podia descartar que um dia, por desígnio da Providência, no trono de Portugal se poderia sentar uma rainha consorte nascida infanta espanhola, o matrimónio de Gabriel com dona Maria Ana também deixava aberta a possibilidade, nada remota, de que no trono espanhol se sentasse uma rainha consorte nascida infanta de Portugal. Algo que o rei Carlos III se ocupou igualmente de deixar claro na corte espanhola, disponibilizando a Gabriel a partir de então o privilégio de contar com a sua própria Casa, sinal evidente do seu enaltecimento. A negociação do contrato de matrimónio de dona Carlota teve início pouco depois de começado o novo ano.
Entre as generosas ofertas que a mãe do noivo decidiu então fazer à sua futura nora destaca-se uma que foi imediatamente incluída no artigo 2.º do documento definitivo. Segundo este, a R. F. entregava a Carlota as rendas que pertenciam à Casa do Infantado, entre cujos bens se encontrava a antiga quinta de Queluz. De momento, esta continuaria a pertencer ao marido da rainha, Pedro III, que a tinha transformado num luxuoso palácio e num sítio real. Por outro lado, dona Maria concedia igualmente à sua futura nora uma doação no valor de oitenta mil pesos, que, assim como as jóias que ela tivesse, passariam directamente para os seus herdeiros, se os tivesse. A rainha de Portugal ficava igualmente obrigada a atribuir à infanta a soma necessária para os gastos da sua câmara, se bem que na forma e maneira usadas, no seu novo reino. Em caso de dissolução do matrimónio, numa cláusula que muitos anos mais tarde iria ser invocada como ameaça, a infanta poderia ir onde quisesse, com os seus bens, dote, doações, jóias, criados, oficiais, etc.. Enquanto Maria Luísa estudava atentamente os rascunhos, para evitar que a sua filha viesse a sofrer um inconveniente que marcava a vida de uma princesa estrangeira, a falta de entradas próprias, apercebeu-se de que estava novamente grávida. Decorria o mês de Fevereiro de 1784». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

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