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Karlruhe. Alemanha, Dezembro de 1649
«(…) Eles estão mesmo atrás de nós!,
gritava o último dos três, mais próximo dos guardas que os outros, tão próximo
que quase via as expressões de fúria estampada nos seus rostos. Vamos! Vamos!
Temos de conseguir!, todos eles imprimiam a máxima força aos cansados equídeos,
que exalavam um denso e branco vapor que se misturava no gélido ar que por eles
passava. As espadas estavam já em riste, os guardas sentiam que os estavam a
alcançar, e os fugitivos sentiam que estavam prestes a ser capturados.
Cavalgaram alguns quilómetros tendo guardas e fugitivos essa sensação. Mas a
sensação acabara por se materializar. Um guarda alcança o último dos cavaleiros
e coloca-se a seu lado. O fugitivo tenta imprimir mais força ao cavalo, mas o
animal estava esgotado, não conseguindo responder à sua demanda. A espada é
içada para o golpe sobre o homem, que a olha com temor, aquela lâmina
brilhante, reflectindo um Sol frouxo, o seu laranja a passar pela aragem. Um
turbilhão de imagens, sons e emoções o assola. Vamos conseguir! Temos de
conseguir!. Agarrando toda a réstia de força e motivação, o homem leva o cavalo
a se encostar de repente ao do seu perseguidor. Nesse instante, levanta a perna
esquerda e imprime movimento ao pé recorrendo a todas as reservas de força de
que ainda dispunha. Com a força do impacto, o guarda cai para o lado ainda com
a espada no ar, o que atrapalhara momentaneamente o avanço de todos os que
cavalgavam atrás. O cavalo solitário continua com o galope, detendo-se a pastar
alguns metros para lá do trilho. Os restantes guardas estão quase a intersecptar
os três homens, que dão no momento o tudo por tudo para passarem os marcos...
Quando os fugitivos voltam a olhar para trás, já os guardas se estão a deter no
trilho, sabendo perfeitamente que haviam chegado aos germânicos limites
administrativos, não tendo qualquer autoridade nas terras onde aquelas três
figuras cavalgavam no momento. O baú e tudo o que o mesmo protegia e escondia
estavam no momento a salvo.
Lisboa. Junho de 2003
Senhor doutor, os livros acabaram de
chegar, diz a elegante secretária da Biblioteca Nacional, entregando a Carlos
Nóbrega uma folha A4 dos CTT com o registo da entrega. Ah... Obrigado, Dulce...
Obrigado, diz o sexagenário, esticando o braço para a folha. Todos os anos, o
Historiador tinha legitimidade para gastar 100€ na aquisição de novos volumes,
raridades que procurava na Internet recorrendo a importantes contactos e ao
estatuto que as provas dadas como Historiador e como Bibliotecário da Biblioteca
Nacional lhe conferiam. Onde estão? No momento a serem transportados para a
sala de catalogação... Muito bem. Dulce, não quero ser incomodado até dar
ordens em contrário! Apague todos os fogos que se atearem! Pode vir o
Presidente, a chanceler alemã, o Papa... Não quero ser incomodado!
Sim senhor, dr. Carlos. Assim, anui a
mulher. Carlos Nóbrega era um homem agastado, mal-humorado, possuidor de uma
acutilante personalidade. O baixo e careca passa os olhos pela folha enquanto
inicia a deslocação para a sala de catalogação, em frente e à direita em
relação à recepção, onde estava Maria Dulce, a secretária que já pertencia à
casa quando Carlos Nóbrega fora convidado para bibliotecário da Biblioteca
Nacional. Dedicara toda a sua vida ao estudo, à busca de pistas de relíquias
escondidas, sendo para ele uma espécie de obsessão o compilar de informação
relativamente a possíveis tesouros escondidos pelos povos que passaram pelo
nosso país durante os séculos da história. Para ele, o chão de todos os
recantos do nosso pequeno país estaria impregnado de relíquias perdidas,
riquezas escondidas para a posteridade, ou apenas para escaparem à pilhagem e à
destruição.
A Urbe das Rainhas; Óbidos e os Séculos; História
de Óbidos; Sociedades Secretas em Portugal; e A Fraternidade Rosa-Cruz eram os
títulos adquiridos naquele ano, volumes que o homem ansiava por tocar, abrir,
cheirar, folhear. Com licença, dr. Carlos... Sim, Armando. Força. Posso
deixá-los aí na secretária? Ponha. Ponha aqui, Armando. Com licença. Estão-me a
pedir lá em baixo esta folha assinada, a confirmar a recepção dos livros. Era o
original da folha que Dulce lhe havia entregue. O Historiador assina o impresso
e volta a olhar para os exemplares, ávido de os devorar mesmo antes de os
catalogar e disponibilizar para leitura. Já está. Mais alguma coisa, Armando?
Pergunta, esticando o braço de modo a facultar a folha ao funcionário. Está
tudo. Já havia referido à Dulce que a partir deste momento não quero ser
incomodado até ordens em contrário.
Muito bem. Com licença, o sexagenário
despede-se do rapaz com um trejeito de cabeça. O rapaz sai e fecha a porta
atrás de si». In Jorge Durão, A Herança de RosaCruz, O Tesouro Perdido de Óbidos,
Edição do Autor, 2013, ISBN 978-989-866-401-3.
Cortesia de JDurão/JDACT