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«Havia
duas coisas que Louis de Villeclaire não dispensava: um bom champanhe e
mulheres bonitas. Como Cléa, a pequena alsaciana acabada de chegar à casa de
madame Martine e que lhe mostrava que sabia usar a língua não só para falar quando
foram interrompidos por vozes vindas do salão, no andar de baixo, e barulho de
gente que corria e falava no corredor. Que inferno!, exclamou Louis erguendo-se
num cotovelo, o belo corpo nu iluminado pelo enorme candelabro de doze velas
que ardiam ao lado da cama. Cléa parou de lhe la… o interior das coxas
musculosas. Olhou para ele um pouco assustada: será fogo?, a jovem abriu muito
os seus já enormes olhos castanhos. Louis soltou uma gargalhada irónica. Fogo,
Cléa? Diz antes a besta do Vertou! Não sei porque é que Martine franqueia a
porta da sua casa a esses burgueses novos-ricos que não sabem portar-se como
cavaleiros...
A moça saiu da cama
com um salto ágil de gazela e envolveu as suas deliciosas curvas num luxuoso
roupão de seda cor de pérola, bordado com exóticos pássaros azuis e laranja. Vou
ver o que é..., disse Cléa, e saiu do quarto, fechando a porta atrás dela. Louis
deixou-se ficar estendido na cama, irritado com aquela interrupção inusitada. A
culpa era, certamente, de Vertou que não sabia nem beber nem tratar com
mulheres e que, nadando em dinheiro novo, frequentava agora os melhores bordéus
de Paris. Ainda há dois dias tinha armado um enorme escândalo na casa de
Colette, numa festa em que ele e os seus amigos de pândega se deixaram açoitar
com chicotes pelas moças. Um depravado sem maneiras! Até para se ser depravado
era preciso ter educação. Essa era, pelo menos, a opinião de Louis de
Villeclaire, ele próprio um depravado assumido. Uma fama lendária envolvia o
seu nome desde a primeira noite em que pisara o melhor e o mais exclusivo
bordel de Paris.
Oh! Como as coisas
tinham mudado... Ainda se lembrava daquela tépida noite de primavera de 1834
quando o seu pai, o velho marquês de Villeclaire, o tinha trazido, pela
primeira vez, a ele e a Gaston, o jovem príncipe de Montblanc, àquela casa.
Ainda hoje, mais de vinte anos depois, podia sentir a maciez das alcatifas que
atapetavam as salas, o cheiro suave do perfume das mulheres, o toque delicado
dos seus vestidos soltos, quase transparentes, que mostravam mais do que
encobriam. E lembrava-se de Martine, claro! Como poderia tê-la esquecido? O
porte de rainha da bela mulata, os seus olhos verdes, amendoados, os lábios
cheios, trocistas, recostada numa chaise
longue forrada a veludo cor de sangue, lânguida. Lembrava-se
de se ter sentido minúsculo perante aquela mulher de 40 anos que o olhava de
cima a baixo e cujos olhos o atingiram como um raio. Da vergonha que sentiu de
que os outros, o pai, sobretudo, pudessem perceber a sua aflição. E a mão de
Martine a acariciar-lhe o rosto: como é bonito..., disse Martine, e o seu
sotaque crioulo soou como música aos ouvidos do jovem Louis.
E depois,
voltando-se para Gaston, passando-lhe os dedos pelos caracóis loiros: mon prince! Como tudo era calmo
naquela casa, nesse ano de 1834, quando Martine lhe pegou na mão e o conduziu
pela enorme escadaria de mármore que leva ao seu quarto. Louis tinha apenas 15
anos e sentia as pernas tremerem enquanto vencia os degraus. Mas também se
lembrava que essa fora a primeira e única vez em que lhe custou subir aquelas
escadas. Depois dessa noite, voltara milhares de outras noites. Quase sempre
com Gaston, o cobiçado príncipe de Montblanc, e também com Laurent, conde de
Juy, Pierre, marquês de Forchemont, e Marcel Bachelard, filho de um dos maiores
banqueiros da França, burguês e judeu, é certo, mas educado pelos melhores
preceptores de Paris e, por isso, um homem elegante, refinado e também ele um
dos seus companheiros inseparáveis de diversão desde o tempo em que todos
frequentavam o mesmo colégio. Como tudo era civilizado e silencioso na casa de
Martine, em 1834 e nos muitos anos que se seguiram. Aconchegou-se mais entre as
cobertas fofas da cama de Cléa e ficou pensando no calor suave de todos os
corpos de mulheres que tinha amado naquela casa. Nanette, Renée, a louca Helène,
insaciável, que fazia amor coberta de esmeraldas e contava que era filha ilegítima
do czar Alexandre da Rússia...
O conde de Joubert, senhor marquês..., ia começar Cléa contando quando
voltou a entrar no quarto, pálida, como se tivesse visto um fantasma. Louis
voltou-se na cama, desagradado por aquela entrada intempestiva ter-lhe desviado
o pensamento de Helène, a louca, com quem uma tarde tinha feito sexo atrás de
um dos túmulos da cripta de Notre-Dame. Não seja mau, venha aqui comigo. Vou
rezar para que o pai me aceite como sua filha. Quero vê-lo, tinha escrito no
bilhete que lhe mandou pela criada. E ele foi, por vontade e porque não queria
a tarde literária na casa da tia Clemence, princesa de Auvergne. Poesia chocha,
chá quente, velhas cheirando a violetas e moças desengraçadas, mortas por o caçarem
como marido, apesar da má fama que o envolvia, mas deslumbradas pelo seu título
de marquês de Villeclaire e, também, pela sua enorme fortuna. Chatice por chatice
antes as rezas de Helène para se tornar princesa da Rússia, à literatura da
tia. Por isso foi e por isso mostrou a cripta da catedral a Helène quando ela,
fazendo beicinho, lhe pediu: imagine, há dois anos vivendo em Paris e nem conheço
a Notre-Dame! Helène, de repente, muito interessada nos pormenores da arquitectura
mortuária francesa». In Matilda Wright, Aposta Indecente, 2011, Editor
Livros d’Hoje, 2011, ISBN 978-972-204-776-0.
Cortesia de Ld’Hoje/JDACT