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St.
Briavels. Gloucestershire
«(…)
Minha cara Saba Tarcan: a primeira tentativa dele de uma carta de fã, escrita a
partir da Casa de Convalescença Rockfieid no Wiltshire fora atirada para o
cesto dos papéis. Era demasiado formal e paternalista para aquele pequeno rosto
trocista. Conseguira a morada dela junto de uma das enfermeiras que organizava os
entretenimentos e que prometera, assim que a carta estivesse escrita, fazê-la
seguir para a parte interessada.
Cara Saba, gostava
de lhe dizer que achei que cantou de forma esplêndida quando a ouvi no Queen
Victoria.
Oh, ainda pior! Isto soava àqueles velhadas tocados que fazem esperas à porta dos
artistas. Oh, mer…! Maldição! Ele atirou-a com violência para dentro do cesto.
Esperara seis semanas para lhe escrever, para se certificar de que estava em condições
de ser visto e pensando que, assim que estivesse de novo em casa, e já não fosse
um paciente, a antiga confiança regressaria e a carta fluiria de forma melíflua
da sua caneta, mas quando muito, sentia-se ainda mais desorientado por aquilo que
estava a tentar dizer, o que o deixava zangado, nenhuma rapariga o fizera sentir-se
assim antes. Um poema surgiu-lhe na cabeça, um poema em que ele pensara ao lembrar-se
dela.
Obrigado, aconteça
o que acontecer. E depois, ela virou costas
e, tal como o raio
de sol nas flores pendentes
esmorece quando o
vento as ergue de lado,
partiu apressadamente.
Não, aconteça o que acontecer
uma hora foi iluminada
pelo sol e nem os sumos deuses
se podem vangloriar
de algo melhor
do que ter observado
aquela hora enquanto passava.
Ele copiara-o para o seu diário no
hospital, seguro de que também não o iria enviar. A poesia tornava as pessoas desconfiadas
quando não nos conheciam e, sinceramente, estava-se a marimbar para toda aquela
ideia de uma-hora-que-foi-maravilhosa; ele queria ouvi-la cantar de novo, mais nada.
Dom, queres café, querido? A voz da mãe deslizou suavemente desde a cozinha; ela
parecia mais francesa quando estava nervosa. Estou na sala de estar. Ele olhou discretamente
o relógio. Raios! Tivera esperanças de terminar a carta primeiro. Vem cá e toma-o
comigo, disse ele, tentando com todas as fibras do seu ser não parecer furioso de
frustração.
A mãe dele tinha-se mantido sempre
por perto. Ele sentira-a toda a manhã, a tentar passar despercebida. Magra como
uma avezinha, elegante no seu velho fato de tweed, eis que entrava agora
com um tabuleiro, se sentara na ponta do banco de piano e servia o café. Obrigada,
Misou, disse ele, usando o nome que lhe chamava em criança. Ele pegou-lhe na mão.
Está tudo bem. Ele gostava que ela deixasse de parecer tão preocupada. Já não me
dói nada agora. Vê, agarra-a como deve ser. A pressão hesitante que sentiu da parte
dela fez surgir uma vaga de ira. Ela balanceou a cabeça timidamente, sem saber
o que dizer. Em tempos, tivera muito orgulho nele. Agora, os seus ferimentos pareciam
ter trazido consigo uma sensação de vergonha comum: havia demasiado a dizer e a
ocultar.
Durante
os meses que passara no hospital, ele fantasiara estar exactamente onde estava hoje,
neste sofá, nesta casa em St. Briavels, uma aldeia minúscula na fronteira entre
Gales e o Gloucestershire. No comboio que o levara de Chepstow a Brockweir, ele
estava decidido a dar à mãe pelo menos alguns dias de felicidade para compensar
os meses de tormento e angústia que ela suportara. Não falaria de voar novamente;
não falaria dos amigos, e talvez, dali a alguns dias, com um copo de vinho na
mão, surgisse um relato bem-disposto da partida de Annabel». In Júlia Gregson,
Noites de Jasmim, Edições ASA, tradução de Ana Pereira, 2012, ISBN
978-989-231-964-3.
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