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Manuel
I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497)
«(…) A região a norte do rio
Mondego fazia parte de uma fronteira islâmica voltada para as regiões que permaneciam
sob domínio cristão no Norte. Depois da revolta dos berberes na década de 50 do
século VIII e da ascensão do reino cristão das Astúrias (que se tornaria, mais
tarde, o de Castela-Leão), os muçulmanos foram obrigados a retirar-se para sul.
O Porto já se encontrava definitivamente sob domínio cristão em 864. A importante
cidade de Coimbra mudou várias vezes de mãos no século IX e durante mais de
oitenta anos, entre 904 e 987, esteve sob domínio cristão (exércitos cristãos
atacaram Coimbra em 878, 889 e 904; Coimbra esteve sob domínio cristão entre
904 e 987, quando as forças do califa de Córdoba, Abd al-Rahman III recuperaram
o controlo da cidade). O povoamento muçulmano nestas regiões do Norte era
provavelmente escasso, embora seja pouco provável que tivesse sido uma terra
desabitada, como há muito tem sido afirmado por historiadores modernos (a ideia
de que o vale do Douro se tomou uma região inabitada ou terra de ninguém entre
o norte cristão e al-Andalus tem sido assunto de grande controvérsia). Em todos
os territórios do Oeste de al-Andalus, Gharb al-Andalus, de onde provém a
designação Algarve, continuou a existir uma importante população cristã até ao
século XII. Estes cristãos moçárabes falavam arábico e usavam, muitas vezes,
nomes árabes.
Segundo uma fonte cristã, a população
de Lisboa, em 1109, era metade cristã e metade pagã, e outra revela que a
cidade tinha ainda um bispo moçárabe em1147 (segundo uma crónica islandesa,
quando o cruzado rei Sigurdo e os seus seguidores noruegueses atacaram Lisboa,
quando iam a caminho de Jerusalém em 1109, descobriram que a cidade era metade
pagã e metade cristã). As populações muçulmanas e as guarnições de cidades
conquistadas por exércitos cristãos durante o século XI ou foram mortas, ou
escravizadas, ou retiraram-se para sul. Quando os cristãos capturaram as vilas
de Seia, Lamego e Viseu em 1057 e 1058, os seus habitantes muçulmanos foram
escravizados ou passados à espada. A população muçulmana de Coimbra, cercada
durante seis meses pelo rei de Leão em 1064, negociou uma rendição condicional
que lhe permitiu evacuar a cidade e retirar-se para territórios muçulmanos mais
a sul(história silence). Os forais em latim, no século XI e início do século XII,
referem-se por vezes a homens com nomes arábicos, mas é impossível precisar se
estes indivíduos eram muçulmanos ou moçárabes cristãos. Assim, a identidade
religiosa de Abd Allah ibn Sulayman, Sulayman Alcarived e Umar Alkarrac, todos
registados como habitantes de Coimbra em 1098, 1126 e 1162 respectivamente, permanece
indeterminada. Não foi ainda encontrada nos arquivos qualquer menção de
muçulmanos (mouros) que não tivessem sido escravos.
A primeira possível referência a
muçulmanos livres a viver sob domínio cristão em Portugal parece datar de 1095,
quando Afonso VI de Leão e Castela concedeu um foral aos colonos cristãos de
Santarém. Esta vila não fora cercada nem atacada, mas cedida a Afonso VI pelo
governante muçulmano de Badajoz em 1093. Não se sabe se a população muçulmana
local abandonou a vila ou escolheu lá permanecer com a guarnição militar e os
colonos cristãos. Uma cláusula curiosa no foral não se refere explicitamente à
existência de muçulmanos livres, mas concede protecção a muçulmanos que
manifestamente não eram escravos. Se muçulmanos livres viviam, de facto, sob
domínio cristão em Santarém, essa situação foi abruptamente interrompida quando
um exército muçulmano recuperou a cidade em 1111 (Oliveira Marques sugeriu a
data anterior de 1103 para a conquista de Santarém pelos almorávidas).
A primeira prova inequívoca de
numerosas populações muçulmanas vivendo sob domínio cristão em Portugal data da
segunda metade do século XII e da importante ofensiva cristã que resultou na
conquista de Lisboa e de outros lugares ao longo do rio Tejo em 1147. Em 1170 Afonso
Henriques concedeu um foral especial às comunidades muçulmanas de Lisboa,
Alcácer, Palmela e Almada. Este foral dos mouros, confirmado por Afonso II
(1211-1223) em 1217, é o primeiro documento a reconhecer oficialmente a existência
de muçulmanos livres a viver em Portugal». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus
e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.
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