Cortesia de wikipedia e jdact
«Desculpe, deve achar que sou muito grosseira. Mal fomos apresentados
e aqui estou eu contando-lhe as coisas terríveis que me aconteceram. Vou
apresentar-lhe rapidamente o meu perfil e deixarei os detalhes para depois; por
exemplo, se tivermos tempo para isso, vou contar como foi o meu primeiro dia na
escola. Vejamos então. O que devo contar-lhe? Bem, o meu nome é Claire, tenho
29 anos e, como disse, tive o meu primeiro filho há dois dias (uma menina, com
quase três quilos, lindíssima) e o meu marido (contei que o nome dele é James?)
me comunicou, há cerca de vinte e quatro horas, que vem tendo um caso, já há
seis meses, guarde essa, não é nem a sua secretária ou outra mulher charmosa do
seu trabalho, mas com uma mulher casada que mora no apartamento dois andares
abaixo do nosso. Incrível como isso soa mal! E não apenas tem um caso, mas quer
divorciar-se de mim. Desculpe se estou sendo desnecessariamente frívola quanto
a isso. Estou muito confusa. Dentro de um instante estarei chorando
novamente. Ainda me encontro em estado de choque, assim acho eu. O nome dela é Denise, e eu
conheço-a muito bem. Não tão bem quanto a conhece James, é óbvio. O terrível é
que ela sempre pareceu tão boazinha.
Tem 35 anos (não me
pergunte como sei disso), simplesmente sei. E, correndo o risco de parecer que
falo por pura inveja e de perder a simpatia de quem me lê, a aparência dela é de
quem tem mesmo trinta e cinco, é mãe de dois filhos e tem um bom marido (ou
seja, bem diferente do meu). E, pelo que parece, saiu do seu apartamento e ele
do dele (do nosso, melhor dizendo) e ambos se mudaram para um novo, em endereço
secreto. Não é incrível?! Como se pode chegar a um drama desses? Sei que o
marido dela é italiano, mas realmente não vejo nenhuma probabilidade de que ele
mate o casal. É garçom, não é um mafioso; então, o que vai fazer?
Envenená-los com pimenta do reino? Fazer com que entrem em coma, após tantos
boa noite, senhores? Ou atropelá-los com o carrinho das sobremesas? Novamente
pareço frívola. Mas não sou. Estou é com o coração
partido.
Um desastre completo. Nem sei como devo dar o nome à minha
filhinha. James e eu tínhamos discutido alguns nomes, ou, pensando
retrospectivamente, eu os discutira e ele fingira ouvir, mas não decidimos
nada. E agora pareço ter perdido a capacidade de tomar decisões. Patético, eu
sei, mas o casamento é isso. Acaba com o nosso senso de autonomia pessoal! Mas
nem sempre fui assim. Antigamente, eu tinha força de vontade, era independente.
Agora tudo isso parece que foi há muito, muitíssimo tempo. Fiquei com James por
cinco anos e estávamos casados há três. E, meu Deus, como eu amo aquele homem. Embora
houvéssemos tido um início não muito auspicioso, a magia tomou conta de nós
muito rapidamente. Ambos concordámos que nos havíamos apaixonado um pelo outro
cerca de quinze minutos depois de nos conhecermos, e assim permanecemos. Ou,
pelo menos, eu permaneci.
Durante muito tempo, nunca pensei que encontraria um homem
que quisesse se casar comigo. Bem, talvez eu devesse amenizar isso. Nunca
pensei que conheceria um bom homem que quisesse casar-se comigo. Muitos
malucos, sem dúvida. Mas um bom homem, um pouquinho mais velho do que eu, com
um emprego decente, boa aparência, engraçado, gentil. Sabe como é, alguém que
não me olhasse de esguelha quando eu mencionasse o programa da tarde, nem
alguém que prometesse sair comigo para uma noite no McDonald's logo após seu
curso nocturno, nem alguém que se desculpasse por não poder dar-me um presente
de Natal porque sua ex-esposa havia conseguido ganhar todo o seu salário num
processo de pensão alimentícia, nem alguém que me fizesse sentir antiquada e
intimidada porque me zangara quando ele disse que tinha namorado com a sua
ex-namorada na noite seguinte àquela em que se deitara comigo (meu Deus, vocês,
garotas de convento, são tão antiquadas), nem alguém que me fizesse sentir
constrangida por não saber a diferença entre Piat d'Or e Zinfandel (seja lá o
que for isso!).
James não me tratava
de nenhuma dessas maneiras desagradáveis. Até parecia bom demais para ser
verdade. Ele gostava de mim. Ele gostava de quase tudo em mim. Quando nos
conhecemos, estávamos ambos morando em Londres. Eu
era garçonete, e ele, contador. Entre todas as espeluncas ao estilo
texano-mexicano ao redor do mundo, ele entrou justamente na minha. Eu não era
uma garçonete de verdade, era formada em Inglês, só que passara por minha fase
rebelde bem mais tarde do que a maioria das mulheres, lá pelos 23 anos. Que foi
quando pensei que seria bem divertido deixar o meu emprego permanente em
Dublin, com direito a aposentadoria e até bem pago, e partir para a pecaminosa
cidade de Londres, para viver como uma estudante irresponsável. Algo que
deveria ter feito quando era mesmo uma estudante irresponsável. Mas, aquele
tempo, estava ocupada demais obtendo experiência de trabalho em minhas férias
de verão, e então minha irresponsabilidade teve de esperar até eu estar
inteiramente preparada para ela». In Marian Keyes, Melancia, 1995,
Edição Bertrand Brasil, 2003, ISBN 978-852-860-916-5.
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