segunda-feira, 10 de julho de 2017

Assim foi Auschwitz. Primo Levi. «Monowitz era, portanto, um típico Arbeits-Lager (campo de trabalho): todas as manhãs a população inteira do Campo, excepto os doentes e as poucas pessoas designadas para trabalhos internos»

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«(…) Assim que o comboio chegou a Auschwitz (eram aproximadamente 21 horas de 26 de Fevereiro de 1944), os vagões foram rapidamente esvaziados por numerosos SS, armados com pistolas e bastões; e os viajantes foram obrigados a colocar malas, trouxas e cobertores ao longo do comboio. A comitiva foi logo dividida em três grupos: um de homens jovens e aparentemente válidos, que veio a ser constituído por 95 indivíduos; um segundo de mulheres, também jovens, grupo pequeno, composto por apenas 29 pessoas, e um terceiro, o mais numeroso de todos, com crianças, inválidos e velhos. Enquanto os primeiros foram encaminhados separadamente para vários campos, há razões para crer que o terceiro foi conduzido directamente para a câmara de gás de Birkenau, e aqueles que o integravam trucidados nessa mesma noite.
O primeiro grupo foi levado para Monowitz, onde havia um Campo de concentração sob a alçada administrativa de Auschwitz, do qual distava cerca de 8 km, e que fora constituído em meados de 1942 com a finalidade de fornecer mão-de-obra para a construção do complexo industrial Buna-Werke, subordinado à I.G. Farbenindustrie. Esse campo albergava entre 10000 e 12000 prisioneiros, embora a sua capacidade normal se limitasse a 7000-8000 homens. A maior parte deles eram Judeus de todas as nacionalidades da Europa, mas havia uma pequena minoria de criminosos alemães e polacos, de políticos polacos e de sabotadores.
A Buna-Werke, destinada à produção em grande escala de borracha sintética, gasolina sintética, corantes e outros subprodutos de carvão, ocupava uma área rectangular com cerca de 35 km2. Uma das entradas dessa zona industrial, totalmente isolada por cercas altas de arame farpado, encontrava-se a poucas centenas de metros do Campo de concentração dos Judeus, enquanto, a pouca distância deste e adjacente à periferia da zona industrial, havia um Campo de concentração para prisioneiros de guerra ingleses e, mais longe, encontravam-se outros Campos para trabalhadores civis de várias nacionalidades. Diga-se de passagem que o ciclo produtivo da Buna-Werke nunca começou: a data de inauguração, prevista inicialmente para Agosto de 1944, foi sendo protelada devido aos bombardeamentos aéreos e à sabotagem por parte dos operários civis polacos, até à evacuação do território pelo exército alemão.
Monowitz era, portanto, um típico Arbeits-Lager (campo de trabalho): todas as manhãs a população inteira do Campo, excepto os doentes e as poucas pessoas designadas para trabalhos internos, dispunha-se numa formação perfeitamente ordenada e desfilava ao som de uma banda, que tocava marchas militares e alegres cançonetas, para se dirigir aos locais de trabalho que, para alguns grupos, ficavam a uma distância de seis-sete quilómetros: o trajecto era feito em passo acelerado, quase em corrida. Antes da saída para o trabalho e depois do regresso, todos os dias se realizava a cerimónia de chamada numa praça do Lager própria para esse fim, onde todos os prisioneiros tinham de ficar em formação rígida, durante uma a três horas, independentemente do clima que estivesse». In Primo Levi, Assim foi Auschwitz, 2015, Penguin Randon House Grupo Editorial, Objectiva, 2015, ISBN 978-989-877-569-6.

Cortesia de Objectiva/JDACT