quinta-feira, 27 de julho de 2017

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Já não me iludirá um doce engano, que trocarei ligeiras fantasias em pesadas razões do desengano»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Petição à melancolia para que se acabem certos dias de festa
«Tu, Deusa tutelar da solidão,
amável sombra, ó melancolia,
aproxima-te, rouba-me a alegria
que turba a suavidade ao coração.

Não prives o meu peito, Ninfa, não,
da tua triste e doce companhia,
que suspira por ti um e outro dia
quem de amar-te só faz consolação.

E não pode a que vive suspirante
viver entre o tumulto muito espaço,
sem que faça o seu mal mais penetrante.

Atende, ó Ninfa, o rogo que te faço:
não demores mais tempo o doce instante,
os dias tristes, que eu tão triste passo».


«Bem como se perturba a clara fonte
na agitação contínua da corrente,
a minha alma sossego não consente,
por mais que nos meus ais ânsias desconte.

De cuidado em cuidado, monte em monte
me leva este pesar que o peito sente;
sempre diviso aflita, descontente,
os princípios da luz pelo horizonte.

De que vem este mal? Um mal tão claro
vem de um vago sentir que na alma pesa...
Amor! Serás comigo sempre avaro?

Amor em mim é filho da tristeza!
Eu sinto o coração ao desamparo...!
Pune, ó Deus, pelas leis da natureza!»


Dizendo-me uma pessoa que eu nunca havia de ser feliz
«Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias».
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas de Alcipe’

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