«(…)
Petição à melancolia para que se acabem
certos dias de festa
«Tu, Deusa tutelar da solidão,
amável sombra, ó melancolia,
aproxima-te, rouba-me a alegria
que
turba a suavidade ao coração.
Não prives o meu peito, Ninfa,
não,
da tua triste e doce companhia,
que suspira por ti um e outro dia
quem
de amar-te só faz consolação.
E não pode a que vive suspirante
viver entre o tumulto muito
espaço,
sem
que faça o seu mal mais penetrante.
Atende, ó Ninfa, o rogo que te
faço:
não demores mais tempo o doce
instante,
os
dias tristes, que eu tão triste passo».
«Bem como se perturba a clara
fonte
na agitação contínua da corrente,
a minha alma sossego não
consente,
por
mais que nos meus ais ânsias desconte.
De cuidado em cuidado, monte em
monte
me leva este pesar que o peito
sente;
sempre diviso aflita,
descontente,
os
princípios da luz pelo horizonte.
De que vem este mal? Um mal tão
claro
vem de um vago sentir que na alma
pesa...
Amor!
Serás comigo sempre avaro?
Amor em mim é filho da tristeza!
Eu
sinto o coração ao desamparo...!
Pune,
ó Deus, pelas leis da natureza!»
Dizendo-me uma pessoa que eu nunca havia
de ser feliz
«Esperanças de um vão
contentamento,
por meu mal tantos anos
conservadas,
é tempo de perder-vos, já que
ousadas
abusastes
de um longo sofrimento.
Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e
passadas,
farei
para as futuras argumento.
Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em
pesadas razões do desengano.
E tu, sacra Virtude, que
anuncias,
a quem te logra, o gosto
soberano,
vem
dominar o resto dos meus dias».
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas
de Alcipe’
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