«(…) Em 3 de Julho entram na terra do Natal que fica a 32° 27'
e, uma semana depois, deparam com quantidade de sargaços e grazinas que
anunciavam a aproximação da extremidade da ilha de São Lourenço (Madagáscar),
que só avistarão na tarde de 12, altura em que foi saudada pela armada. Costearam
esta ilha com tempo limpo, vendo de dia árvores e de noite fogos, o que nem
sempre acontecia, e, contrariando de algum modo o desejo de Manuel Castro
Favila, capitão e piloto do patacho Santa Teresa que desejava escalar
Moçambique, o vice-rei, depois de ouvir os capitães e pilotos mais experientes
da armada, resolveu seguir directamente para a Índia, não obstante saber que aí
aportaria em pleno mês de Agosto e com as restricções de aportamento impostas pelo
período de monção. A 22 topam com mais sargaços e canas à tona da água, sinais
da aproximação à ilha de Combro que, de facto, divisarão decorridos dois dias.
Se
bem que o vento rijo e mar grosso que se fizeram sentir desde 6 de Agosto e se
prolongaram até 15 tenham causado problemas e retardado bastante a navegação, o
tempo bonançoso trazido pela lua cheia desse dia fez com que se decidisse
buscar a terra, com a firme convicção de que, em breves dias, chegariam a
Mormugão. De facto, na manhã de 20 foi avistada terra e, pelas 5 da tarde, aproximaram-se
da nau Bom Jesus dois paraus, que há alguns dias aguardavam a armada trazendo
a bordo os pilotos. No dia seguinte, pela 10 horas, dava entrada na barra de
Mormugão toda a armada, salvando com artilharia as fortalezas que a defendiam.
Estas corresponderam à saudação.
Apenas
cinco meses havia durado a viagem. Tripulação experiente, comando seguro,
condições meteorológicas favoráveis, inexistência de escalas, ausência de
imprevistos: condições essenciais a uma viagem bem sucedida. O roteiro da navegação
utilizado continuava a ser o do piloto de Lagos de finais de quinhentos, Vicente
Rodrigues, ainda considerado em 1664 o mais experimentado e aprovado no
que escreveo. Ao montar o cabo de Santo Agostinho, anotou Rodrigo Lobo Silveira
no seu diário a grande proximidade da armada do porto da Baía, mas nem ele nem
os demais capitães ou pilotos levantam a hipótese de o escalarem. Recorde-se
que a paragem nesta cidade vinha a ser proibida desde o século anterior. O próprio
roteiro de Vicente Rodrigues assim o recomendava. Aliás, a discussão em torno
das escalas, e sobretudo a da Baía, arrastaram-se por todo o século XVII, com avanços
e recuos, embora prevalecendo a proibição. As razões são desde cedo a pontadas:
atraso que impossibilitava o carregamento das especiarias desse ano, estrago
nas naus, a fuga de gente de navegação e outra, além da despesa com a tripulação.
Mas
se a relativa proximidade da partida poderia, em princípio, dispensar a escala
brasileira, já a de Moçambique tornava-se quase sempre necessária. A morosidade
da viagem, o elevado número de doentes, a necessidade de reparações e
reabastecimentos impunham esta paragem, considerada obrigatória não por
determinação régia, mas exigida pela urgência de socorros. Todavia a viagem de 1655
dispensaria a escala, apesar da insistência do capitão do Santa Teresa, Manuel
Castro Favila, invocando falta de lastro, água e vinho. Mas o vice-rei,
determinado a entrar com todas estas embarcações juntas na barra de Goa e,
percebendo que tudo eram desejos de ir a Moçambique, apressou-se a oferecer-lhe
água, vinho e pipas vazias para encher de água salgada e assim resolver o
problema do lastro.
Cerca
de 1700 pessoas, incluindo 500 soldados, haviam embarcado em Lisboa com destino
a Goa e reduzido foi o número dos que pereceram na viagem. A Bom Jesus da
Vidigeira, talvez pelas melhores condições que oferecia, transportava mais
de 660 pessoas, pelo que entendeu o vice-rei, para a ir aliviando,
mandar transferir soldados e passageiros para os outros navios. Assim aconteceu
com cerca de três dezenas de soldados remetidos para o patacho Santa Teresa
e duas dezenas para a o galeão São Francisco, cuja população se ficava pelos
250 elementos. A gente de guerra havia sido organizada em quatro esquadras e,
como era hábito, além de mostras feitas aos soldados, estes praticaram os
rotineiros exercícios a bordo». In Artur Teodoro Matos, Diário do conde
de Sarzedas, Vice-rei do Estado da Índia (1655 -1656), Lisboa, colecção Outras
Margens, CNCDPortugueses, 2001, ISBN 972-787-052-X.
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