Urbanismo: o Contexto Europeu
«(…) A corte do tempo de
João V foi muito permeável às influências estrangeiras, particularmente do
centro da Europa. O rei interessava-se pelas artes e com ele a grande nobreza.
Na segunda metade do século XVIII, os palácios eram feitos à semelhança dos
seus famosos congéneres europeus, como Versalhes e Marly, não sem um certo
apego à tradição. A pouco e pouco a antiga sobriedade vai cedendo lugar a
fachadas ondulantes e a pormenores mais fantasiosos. Contudo, no Sul essas
influências são relutantemente postas em prática e nunca atingem a força do
Norte. Nos interiores, o luxo é lei, com grandes superfícies cobertas de azulejos,
de talha e de pintura. Foi uma época em que se assistiu a um maior ritmo de construção,
devido às boas condições económicas do País, dos seus nobres e da rica classe emergente
de burgueses. Estes palácios e casas de campo têm agora um sabor barroco, variando
regionalmente. São quase sempre de planta rectangular ou em L, e a presença do
pátio é fundamental como espaço de articulação. O andar nobre abre frequentemente
para um cuidado jardim. A decoração é mais rica, com frontões triangulares, pirâmides,
pináculos e florões, embelezando o topo do edifício. Mais tarde surgem candelabros
e fogaréus. A capela é parte fundamental destas edificações. Inicialmente a sua
presença não é muito marcada, mas progressivamente torna-se um elemento de
animação das fachadas, com um cuidadoso tratamento do desenho, com frontões e
campanários fazendo destacar a sua presença.
Em relação ao urbanismo
é de salientar a intervenção do bispo Tomás Almeida no Porto. Preocupou-se com
o crescimento da cidade, para a qual concebeu planos grandiosos. Um desses
planos previa a construção de uma espécie de Plaza Mayor. O bispo recuperou em 1709 uma ideia de 1691,
transformando-a numa praça monumental, quadrangular, com 120 m (cerca de 545
palmos) de lado, rodeada de arcadas, à qual se acederia por quatro arcos. Cada
lote tinha 34 palmos de largura e a galeria coberta, 20 palmos. Deveriam
instalar-se aqui as famílias nobres da cidade. Para a capital do país
executaram-se alguns projectos: fizeram-se algumas transformações importantes
no Paço da Ribeira, incluindo a transformação da capela real em patriarcal, construiu-se
o conjunto barroco das Necessidades (Palácio, Igreja e Convento), a partir de
1742 elaborou-se um plano para a reforma ribeirinha da margem do Tejo, riscado por
Carlos Mardel. Fez-se o monumental aqueduto das Águas Livres, que correspondia
a um planeamento do abastecimento de águas para a capital, prevendo já o seu
crescimento para o lado Ocidental. Aqui trabalhou Carlos Mardel, que riscou
alguns motivos mais decorativos e a Mãe de Água das Amoreiras.
De referir também o
projecto gorado para um novo Palácio Real e Basílica Patriarcal, que o rei João
quis construir na área ocidental da cidade. Para riscar a obra, apelou a um dos
mais famosos arquitectos italianos, Juvara. Este chega a Portugal em 1717. Na
esfera da corte, mas fora de Lisboa, foi construída, entre 1717 e 1750, a obra
mais emblemática do reinado: Mafra. O que começou por ser um pequeno convento tornou-se
numa gigantesca obra, em estaleiro durante décadas. O edifício englobava
Palácio Real, um grande convento e uma Igreja. Neste projecto trabalharam
Ludovice, Custódio Vieira, Manuel Maia e Canevari. No Norte as influências
italianas não deixam marca e a época é marcada por um barroco fantasioso cuja
figura principal é o arquitecto Nicolau Nasoni, autor da Torre dos Clérigos, no
Porto (1732 a 1748) e do Palácio do Freixo (1749). De referir também os
portugueses André Soares e Carlos Amarante.
Ainda relativamente ao
urbanismo e à arquitectura do reinado de João V, um conjunto é de salientar.
Trata-se de Santo Antão do Tojal, mandado construir pelo patriarca Tomás Almeida.
Em Santo Antão do Tojal existia já um palácio mandado construir pelo bispo Fernando
Vasconcelos Meneses, que havia reedificado a igreja e realizado também os
jardins. Tomás Almeida decide prover a que o Soberano tenha melhores cómodos no
seu caminho para Mafra e manda reconstruir o palácio e a igreja, acrescentando
uma praça: intentava alcançar por faculdade
régia… o prencipal intento que o dito prelado teve nesta fundação foi o querer
fazer neste sítio cazas para Camera, e tudo o mais que he prezisso para a
fundaçao de huma villa... Canevari foi o arquitecto escolhido e,
quando abandonou o país em 1732, Rodrigo Franco continuou-as (foi ele o autor
da Igreja do Senhor da Pedra em Óbidos). Uma rua nova foi traçada de modo que a
Igreja é o seu extremo visual e físico. À sua esquerda abre-se uma praça
quadrada. Para ela dá o palácio do bispo, de planta em U, com o pátio encerrado
por um terraço, articulando-se com a igreja através da torre e também um
segundo palácio, destinado a albergar o rei nas suas deslocações a Mafra, com
uma fachada monumental e original. É constituída por dois corpos simples que
ladeiam uma grande fonte de características barrocas, alimentada por um
aqueduto, com cerca de 2 Km, construído para o efeito. A casa da câmara nunca
foi construída. A ligação entre o palácio episcopal e a igreja é feita por um
terraço exterior, que dá acesso à Sala das Bênçãos, que abre simultaneamente para
a Praça e para o interior da igreja». In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de
Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.
Cortesia de FCTUC/JDACT