Urbanismo: o Contexto Europeu. A engenharia militar e a tratadística
«(…) A par das
influências do exterior que vão chegando a Portugal, no plano da arquitectura,
a longa tradição da engenharia militar empresta à produção arquitectónica rigor
e um forte espírito utilitário e esse espírito vai marcar a produção portuguesa
por um largo período de tempo. Esta arquitectura, essencialmente feita por
engenheiros, possui uma forte apetência pelo funcionalismo e pelos aspectos
construtivos, com base na geometria. A
ciência geométrica foi a base mais constante da preparação académica dos
engenheiros portugueses e o ponto fulcral para o desenvolvimento das
investigações formais que fizeram, tanto nos seus trabalhos urbanísticos, como
nos arquitectónicos. A Aula de Fortificação Militar, a funcionar no
Paço da Ribeira, foi fundada em 1647, durante o reinado de João IV e fundou a escola
portuguesa de engenharia militar, tendo um papel preponderante e praticamente
exclusivo na formação dos arquitectos, ou engenheiros militares que actuaram no
nosso país e nas colónias. É com esta instituição que se retoma o ensino,
interrompido durante o período filipino. Em 1732, a Academia militar é
reorganizada pelo rei João V e sofre mais reformas pela mão do marquês de
Pombal, com o militar conde de Lippe como obreiro (1763).
As principais
influências que penetraram no nosso país foram a italiana (sobretudo durante o século
XVI) e mais tarde, a francesa e holandesa (século XVII). Tratados e desenhos provenientes
destes países circulavam por cá (como o tratado de Serlio, que teve grande divulgação),
e a par com as experiências de alguns portugueses no estrangeiro, ajudaram a espalhar
essas influências. Por outro lado, e principalmente a partir da Restauração,
houve uma vaga de engenheiros franceses contratados para trabalhar em terras
lusas. Rafael Moreira, citado por José Manuel Fernandes refere que esta permanente circulação pessoas, ideias e
formas entre os três continentes explica os paralelos construtivos e
urbanísticos que fizeram da arquitectura militar o primeiro estilo internacional
da arquitectura moderna.
A nível da teorização de
produção nacional, a área da arquitectura civil foi praticamente estéril. Mais
uma vez os mais importantes trabalhos saíram da mão da escola militar. Um dos grandes
temas produzidos no nosso país foi o Método
Lusitânico de Desenhar Fortificações, de Luís Serrão Pimentel,
engenheiro-mor do Reino (1673) e professor da Aula de Fortificação e Arquitectura
Militar, sendo datado de 1680. Nele perpassa uma vontade de distinguir a engenharia
militar da arquitectura. A primeira será uma ciência, a segunda, uma arte. Este
tratado teve grande repercussão no país e foi usado durante um largo período de
tempo. Manuel Azevedo Fortes escreveu em 1728/29 o Engenheiro Português. Em 1733, o padre Ignácio Piedade
Vasconcellos escreve o Artefactos
Symmetricos, e Geometricos, advertidose descobertos pela industriosa perfeição
das Artes, Esculturaria, Architectonica, e de Pintura, em que
disserta sobre as várias artes, com prevalência da arquitectura e da escultura,
segundo regras práticas baseadas na geometria.
Em 1762, José Figueiredo
Seixas escreveu o seu Tratado de
Ruação. Este constitui a resposta
portuense à reconstrução de Lisboa, ao mesmo tempo que a primeira tentativa de sistematizar
em disciplina e erguer ao estatuto de ciência a prática urbanística (…)
combinando leituras dos teorizadores da cidade ideal (Alberti, Cataneo, etc.),
de André Garcia Céspedes, Madrid, 1606, e frei Lorenzo San Nicolàs, Madrid, 1633-1665, de Serrão
Pimentel e Azevedo Fortes, com a experiência dos engenheiros civis e militares
em Portugal e no Brasil. Rafael Moreira chama-lhe um ensaio pioneiro de uma teoria geral do
urbanismo.
O tratado é constituído
por duas partes. Na primeira, Figueiredo Seixas propõe um modelo utópico de
parcelamento e organização do território. As povoações seriam hierarquizadas
por categorias: província, comarca, cidade, vila e lugar. No território seria
lançada uma quadrícula, como um tabuleiro de damas, orientado pelos pontos
cardeais principais, que ditaria a localização das ditas povoações, das suas
casas, ruas e praças, e também dos terrenos de cultivo. A cidade capital
estaria situada no quadrado central do reino. Esses quadrados teriam meia légua
de lado (1409 braças) e seriam divididos em courelas de terra de 90 por 30
braças (às quais se descontam 5 braças a toda a volta para as ruas com 10
braças). Fala Alberti, quando refere a dimensão ideal da povoação (meia légua
portuguesa, correspondente a meia hora de caminhada). Nas cidades esse quadrado
seria inteiramente preenchido por casas, o que possibilitaria a construção de
225 800 fogos. Nas vilas e lugares, menos populosos, haveria lugar a hortas no
seu interior». In Cátia Gonçalves Marques, Departamento de Arquitectura da FCTUC,
Junho de 2004.
Cortesia de FCTUC/JDACT