Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Como eu sempre digo, há tempo e lugar para a
espontaneidade.
De qualquer modo, dei um jeito de arrumar um trabalho para
mim como garçonete naquele badalado restaurante de Londres, com música alta,
telões e pequenas celebridades. Bem, para ser honesta, havia mais pequenas
celebridades entre os empregados do que na clientela, já que a maior parte dos funcionários era composta de actores e
modelos desempregados. Nunca cheguei a entender como consegui um emprego ali.
Talvez tenha sido contratada como símbolo da Garçonete Saudável. Antes de mais
nada, eu era a única garçonete mais baixinha e gordinha. E, embora pudesse não
ser uma modelo em potencial, acho que tinha um certo tipo, digamos, de encanto
natural, sabe, cabelo curto e brilhante, olhos azuis, sardas, belo sorriso,
esse tipo de coisa. E era tão inexperiente e ingénua. Nunca percebia quando
entrava um rostinho bem maquilhado de alguma estrela do teatro ou da televisão.
Mais de uma vez, eu estava servindo (e uso a palavra no seu sentido mais livre
possível) alguma mesa com algumas pessoas (e também uso essa outra palavra no
seu sentido mais livre possível), quando uma das outras garçonetes me dava uma
cotovelada (derramando molho de churrasco escaldante na virilha de um infeliz
cliente) e sussurrava algo como: esse sujeito que está servindo não é fulano de
tal, daquela banda? E geralmente eu respondia: que sujeito? Aquele com roupa de
couro? (Lembre-se, eram os anos 80.).
Não, sussurrava ela, em resposta. Aquele com cachos louros
e usando o batom Chanel. Não é aquele cantor? Ah, é?, gaguejava eu, sentindo-me
por fora e tola, por não saber quem era aquela pessoa. De qualquer jeito, eu
adorava trabalhar. Emocionava-me até à medula de classe média dos meus ossos
burgueses. Parecia tão charmoso e excitante acordar todos os dias à uma da
tarde, ir trabalhar às seis, terminar à meia-noite, embriagar-me em seguida com
o barman e, mais tarde, com os ajudantes de garçom. Enquanto estava lá na
Irlanda, a minha pobre mãe chorava lágrimas amargas ao pensar na sua filha, com
educação universitária e servindo hambúrgueres a estrelas pop. E nem sequer
estrelas pop lá muito famosas, para piorar as coisas. Trabalhava ali há cerca
de seis meses, na noite em que conheci James. Foi uma sexta, tradicionalmente a
ocasião em que os BE frequentavam o nosso restaurante. BE, claro, queria dizer babacas-de-escritório.
Toda a sexta-feira, às cinco horas, qual túmulos expelindo
seus mortos, os escritórios em todo o centro de Londres liberam o seu pessoal
para o fim de semana, e então hordas de funcionários pálidos, com espinhas, mal
vestidos, caem em cima de garçonetes, todos de olhos arregalados e cheios de
ansiedade, procurando as estrelas e querendo encher a cara, qualquer das duas
coisas em primeiro lugar. Era norma para nós, garçonetes, ficarmos ao largo,
com um ar de desdém para a clientela desse tipo, sacudindo as nossas cabeças
com piedade descrente diante dos trajes, cortes de cabelo etc. dos pobres
clientes, ignorando-os durante os primeiros cerca de quinze minutos da sua
visita, passando por eles às pressas, com brincos e braceletes tilintando,
obviamente fazendo alguma coisa mais importante do que atender às suas
patéticas necessidades e, afinal, após reduzi-los até quase às lágrimas de
frustração e fome, seguir requebrando até as mesas com um imenso sorriso,
caneta e um bloco de pedido. Boa noite, cavalheiros, desejam uma bebida?
Isso os deixava tão agradecidos, entende? Depois, não fazia
a mínima diferença se os pedidos de bebidas estavam completamente errados ou se
a comida jamais aparecia; mesmo assim, deixavam uma gorjeta enorme, a tal ponto
se sentiam com sorte por receber a nossa atenção. O nosso lema era: não apenas
o cliente está sempre errado, como provavelmente estará muito mal vestido para
ganhar a discussão. Na noite em questão, James e três dos seus colegas
sentaram-se no meu sector e atendi os seus pedidos da minha maneira normal, ou
seja, irresponsável e avoada. Não lhes dei a menor atenção, mal ouvindo o que
diziam ao anotar o pedido, e não os olhei directamente sequer uma vez. Se
tivesse feito isso, talvez notasse que um deles (sim, James, claro) era muito
simpático, com o seu jeito, cabelos negros, olhos verdes, um metro e oitenta. Eu deveria olhar para
além do terno e ver a alma do homem. Ah, superficialidade, vosso nome é Claire.
Mas eu queria ficar lá nos fundos com as outras garçonetes, bebendo cerveja,
fumando e falando de sexo. Clientes eram uma interferência mal recebida. Será
que a carne pode vir mal passada, por favor?» In Marian Keyes, Melancia, 1995,
Edição Bertrand Brasil, 2003, ISBN 978-852-860-916-5.
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