«A velha lembrou-se de um cisne
que comprara há muitos anos atrás, em Shangai, por uma barganha. Este pássaro,
contou-lhe o vendedor, foi certa vez um pato que esticara o pescoço na
esperança de tornar-se um ganso, e agora, veja!, era belo demais para ser
comido. Então a mulher e o cisne velejaram o oceano muitas li milhas à distância,
esticando seus pescoços em direcção à América. Em sua jornada, ela sussurrou
para o cisne: na América, eu terei uma filha assim como eu. Mas lá, ninguém
dirá que o seu valor é medido pela altura do arroto do seu marido. Lá, ninguém
a verá por cima, porque a farei pronunciar apenas um perfeito inglês americano.
E lá, ela estará sempre tão satisfeita que não engolirá qualquer tristeza! Ela
saberá o que lhe quero dizer, porque lhe darei este cisne, uma criatura que se
tornou muito mais do que esperava. Mas quando ela chegou ao novo país, os
oficiais da imigração tiraram-lhe o cisne, deixando a mulher agitando os braços
e com apenas uma pena de lembrança. Então, ela teve que preencher tantos
formulários que esqueceu a razão de sua vinda e o que deixara para trás. Agora,
a mulher estava velha. E tinha uma filha que crescera falando somente inglês e
engolindo mais coca-cola do que tristeza. Agora, por um longo tempo, a mulher
quis dar à filha a única pena de cisne e dizer-lhe: esta pena pode parecer sem valor,
mas vem de muito longe e carrega consigo todas as minhas boas intenções. E ela
esperou, ano após ano, pelo dia em que poderia dizer isto à sua filha num
perfeito inglês americano.
Meu pai pediu-me para ocupar o
quarto canto do Clube da Felicidade e da Sorte. Estou para substituir a minha
mãe, cuja cadeira na mesa de mah-jong tem estado vazia desde que ela morreu,
dois meses atrás. Meu pai acha que ela foi morta pelos seus próprios
pensamentos. Ela tinha uma nova ideia na cabeça, disse meu pai. Mas antes que
pudesse sair da sua boca, o pensamento ficou tão grande que explodiu. Deve ter
sido uma ideia muito ruim. O médico disse que ela morreu de um aneurisma
cerebral. E as suas amigas do Clube da Felicidade e da Sorte disseram que
morreu como um coelho: rápido e com negócios inacabados deixados para trás.
Minha mãe supostamente seria a anfitriã do próximo encontro do clube. Na semana
antes da sua morte, ela chamou-me, cheia de orgulho, cheia de vida: tia Lin
cozinhou sopa de feijões vermelhos para o clube. Eu vou cozinhar sopa de
sementes pretas de Sézamo. Não se exiba, disse. Não é exibição. Ela disse que
as duas sopas eram quase iguais, chabudwo. Ou talvez tenha dito butong,
não era a mesma coisa de todo. Era uma daquelas expressões chinesas que significam
a melhor parte de intenções misturadas. Nunca consigo lembrar-me de coisas que
não entendo em primeiro lugar.
Minha mãe começou a versão do
Clube da Felicidade e da Sorte de San Francisco em 1949, dois anos antes de eu
nascer. Este foi o ano em que a minha mãe e o meu pai deixaram a China com um
baú de couro repleto apenas de vestidos de seda enfeitados. Não houve tempo
para empacotar mais nada, explicou a mãe ao meu pai depois que eles embarcaram
no navio. Ainda assim, ele deslizava freneticamente as mãos entre as sedas escorregadias
procurando pelas suas camisas de algodão e cuecas de lã. Quando chegaram a San
Francisco, meu pai a fez esconder aquelas roupas brilhantes. Ela usou o mesmo
vestido chinês marrom-axadrezado até que a Associação de Boas-Vindas aos
Refugiados lhe deu dois vestidos em segunda mão, todos muito largos no tamanho
para mulheres americanas. A Associação era composta por um grupo de senhoras
missionárias americanas de cabelos brancos, da Primeira Igreja Baptista
Chinesa. E por causa dos seus presentes, meus pais não poderiam recusar o
convite para se juntarem à igreja. Nem ignorar o conselho prático daquelas
senhoras para aperfeiçoarem o seu inglês através de estudos da Bíblia em aulas
nas quartas-feiras à noite, e mais tarde, através da prática do coro nos
sábados pela manhã. Foi assim que meus pais encontraram os Hsus, os Jongs e os
St. Clairs. Minha mãe podia sentir que as mulheres destas famílias também
possuíam tragédias indizíveis que deixaram para trás na China, e esperanças que
não conseguiriam começar a expressar no seu inglês frágil. Ou no mínimo, a minha
mãe reconheceu o entorpecimento nos rostos dessas mulheres. E ela viu quão
rapidamente seus olhos moveram-se quando contou-lhes a sua ideia para o Clube
da Felicidade e da Sorte.
O Clube foi uma ideia que minha
mãe engendrou nos primeiros dias, do seu primeiro casamento em Kweilin, antes
dos japoneses chegarem. É por isso que penso no Clube da Felicidade e da Sorte
como a sua estória de Kweilin. Era a estória que ela sempre me contava quando
estava entediada, quando não havia nada mais a fazer, quando cada tigela havia
sido lavada e a mesa de fórmica tinha sido limpa duas vezes, quando o meu pai se
sentava para ler o jornal fumando um cigarro Pall Mall atrás do outro, um aviso
para não ser perturbado». In Amy Tan, 1989, Editora Rocco, 1994, ISBN
978-853-250-044-1.
Cortesia
de ERocco/JDACT