«(…) Connes
é membro do Institut des Hautes Études Scientifiques de Paris, a resposta
francesa ao Instituto de Princeton. Desde a sua chegada, em 1979, o matemático
criou uma linguagem completamente nova para a compreensão da geometria. Ele não
vê problemas em levar o assunto aos extremos da abstracção. Embora os
matemáticos em geral se sintam bastante à vontade com o modo altamente
conceitual com que a sua disciplina tende a enxergar o mundo, a maior parte
deles recusou-se a acompanhar a revolução abstrata proposta por Connes. Ainda assim,
essa nova linguagem geométrica revela muitos indícios sobre o funcionamento do
mundo real da física quântica, como Connes se encarregou de demonstrar àqueles
que questionam a necessidade de uma teoria tão inóspita. Se isso semeou o
terror nos corações das massas matemáticas, que assim seja. Connes provocou
surpresa e até espanto por acreditar que a sua nova geometria poderia não só desmascarar
o mundo da física quântica como também explicar a hipótese de Riemann, o maior
mistério existente sobre os números. A sua audácia em penetrar no coração da
teoria dos números e confrontar abertamente o mais difícil dos problemas
pendentes da matemática revela a sua falta de respeito pelas fronteiras
convencionais. Desde que surgiu em cena, no meio da década de 1990, tem havido
uma expectativa no ar, pois se há alguém capaz de dominar esse problema
notoriamente difícil, esse alguém é Alain Connes.
Aparentemente,
porém, a última peça do complexo quebra-cabeça não havia sido colocada por
Connes. Bombieri continuava a carta contando que um jovem físico da plateia
vira, num relance, como utilizar o seu mundo bizarro de sistemas fermiónicos-bosónicos
supersimétricos para atacar a hipótese de Riemann. Não há muitos matemáticos
familiarizados com esse conjunto de palavras estranhas, mas Bombieri explicou
que ele descrevia a física correspondente ao agrupamento próximo ao zero
absoluto de uma mistura de anions e trouxons com spins opostos. Ainda
parecia bastante obscuro, mas vale lembrar que essa era a resposta para o
problema mais difícil da história da matemática, portanto ninguém esperava uma
solução simples. Segundo Bombieri, após seis dias de trabalho ininterrupto, e
com a ajuda de uma nova linguagem de computador chamada Mispar, o jovem
físico havia finalmente decifrado o pior problema matemático. Bombieri concluía
o e-mail com as palavras: caramba! Difundam esta notícia o máximo possível.
Embora a prova da hipótese de Riemann por um jovem físico fosse um facto extraordinário,
não constituiu uma grande surpresa. Nas últimas décadas, boa parte da matemática
tem estado entrelaçada com a física. Apesar de ser um problema ancorado na teoria
dos números, há alguns anos a hipótese de Riemann vem apresentando ressonâncias
inesperadas com questões da física de partículas.
Os
matemáticos começaram a alterar os seus planos de viagem para poder ir a Princeton
e presenciar o grande momento. Ainda havia memórias recentes da emoção sentida
alguns anos antes, quando um matemático inglês, Andrew Wiles, anunciara uma
prova do último teorema de Fermat numa palestra realizada em Cambridge, em Junho
de 1993. Wiles provou que Fermat estava certo ao afirmar que a equação xn + yn =
zn não tem soluções quando n é maior que 2. Quando Wiles largou o pedaço de giz
ao final da palestra, estouraram garrafas de champanhe, e máquinas fotográficas
dispararam os seus flashes. Contudo, os matemáticos sabiam que a prova da
hipótese de Riemann teria um significado muito maior para o futuro da
matemática do que saber que a equação de Fermat não tem soluções. Como Bombieri
aprendera nos seus tenros 15 anos, a hipótese de Riemann tenta compreender os
objectos mais fundamentais da matemática, os números primos.
Esses números são os próprios átomos
da aritmética. São os números indivisíveis, que não podem ser representados
pela multiplicação de dois números menores. Os números 13 e 17 são primos, ao contrário
de 15, que pode ser expresso como 3 vezes 5. Os primos são as pérolas que adornam
a vastidão infinita do universo de números que os matemáticos exploraram ao
longo dos séculos. Eles despertam a admiração dos matemáticos: 2, 3, 5, 7, 11,
13, 17, 19, 23…, números eternos que existem numa espécie de mundo independente
de nossa realidade física. São um presente da natureza para o matemático. A
importância matemática dos primos deve-se à sua capacidade de gerar todos os
demais números. Todo o número não primo pode ser formado pela multiplicação
desses blocos de construção primos. Cada uma das moléculas do mundo físico pode
ser composta por átomos da tabela periódica de elementos químicos. Uma
lista dos primos é a tabela periódica do matemático. Os números 2, 3 e 5 são
como o hidrogénio, o hélio e o lítio no laboratório do matemático. Ao
dominar esses blocos de construção, o matemático tem a esperança de descobrir
novos caminhos através da grande complexidade do mundo da matemática». In Marcus Sautoy, A
Música dos Números Primos, 2003, 2004 (Harper Perennial), Edições Zahar, 2007,
ISBN 978-853-780-037-9.
Cortesia de EZahar/JDACT