«(…) Eu era nova. Ainda não tinha
completado dezoito anos. Tinha vivido com os meus pais e as minhas irmãs numa
casa de um beco pobre. Sabia que as mulheres e os homens fornicavam, riam alto
e se beijavam entre canecas de vinho. Sabia que os homens podiam ser violentos
com as mulheres porque tinham mais força e que as mulheres podiam dar cabo dos
homens porque tinham meios menos óbvios. Mas não sabia que as mulheres podiam
ser tão pérfidas umas com as outras, ao ponto de se humilharem mutuamente e
pelos motivos mais disparatados. As mulheres não se amam entre si. E isso
torna-as mais vulneráveis diante dos homens.
Nua como vim ao mundo, atravessei
o convento. O único calor que sentia era o provocado pelas lágrimas que deslizavam
no rosto. Os pés andavam, um atrás do outro, a tactear um chão que podia
desaparecer a qualquer momento. Não vi ninguém, não sabia onde estavam as
outras monjas, nem a minha irmã, não tinha pai ou qualquer outra raiz, não
tinha nada. Estava sozinha. O claustro era quadrangular, com uma fonte ao meio,
ladeada de arbustos. Era verde e respirava ar puro. As arcadas, a contornar,
erguiam-se cheias de segredos de pedra. Não sei como consegui chegar mas debaixo
de uma abóbada dei com as roupas na borda da fonte. Corri para alcança-as.
Piquei o calcanhar num qualquer espinho e, por instinto, levei a mão ao pé. Não
devo ter demorado muito tempo, tal era a ânsia, mas quando me soergui, não
estava à espera do que ia encontrar. Senhorita!
Fechei os olhos, na esperança de
ter ouvido aquela voz apenas na minha cabeça. Senhorita! Dois homens caminhavam
na minha direcção. Um deles, mais velho, que se anunciou como o abade de
Alcobaça, e um mais novo, bonito, tão belo, tão belo, de quadro costados, por
nascimento e educação, o conde de Vimioso. Aqui está a minha capa, senhorita.
Permita-me que... Senti o conforto do tecido caloroso nos ombros, os dedos do
conde levantaram-me e sorriram. Nenhuma crítica, nenhum julgamento. Eu estou
absolutamente indignado com este comportamento, vou falar com a abadessa, não é
possível uma monja... Noviça. Noviça, monja... Não pode andar... Abade, estou
certo de que a noviça não teve qualquer intenção de ferir susceptibilidades.
Certamente houve um equívoco e... Roubaram-me a roupa. Quem? Uma boa vingança
não se faz de queixinhas. Não sei. O conde percebeu o que queria dizer a minha
resposta. E o vosso nome é? Paula. Noviça Paula, levarei em conte as palavras
do sensato conde e farei por esquecer o incidente. Mas esta é a casa de Deus,
não uma qualquer estalagem de má fama. Mentia. O convento de Odivelas podia ser
a casa de Deus, mas era, por vezes (não tantas quanto alguns puristas gostavam
de maldizer, mas mais do que alguns pecadores tinham coragem de confessar), um
prostíbulo onde o demónio se divertia sem vergonha.
A
Luz apareceu pouco depois. Eu já estava vestida e recolhida na minha jaula. Onde
fica o aposento de Madalena Máxima? O sangue sempre se fez reconhecer ao
sangue. E se havia medo, havia também um entendimento para além de palavras.
Bastou um apontar de dedo. Esperei pela oportunidade nessa noite. Não a tive.
Nas noites seguintes, com a paciência de uma santa, continuei a aguardar. Fiz ouvidos
de mercador aos cochichos das outras monjas que muito se riram do meu embaraço
nu. Comi, orei, reduzida a um silêncio paciente». In Patrícia Muller, Madre Paula, Edições
ASA II, 2014, ISBN 978-989-232-783-9.
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