domingo, 24 de setembro de 2017

O Pecado Espanhol. Carlota Joaquina. «O embaixador português, especialmente designado pela rainha dona Maria para se ocupar das negociações matrimoniais, talvez tenha sentido que esta boda era a coroação da sua carreira»

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«(…) A 15 de Março, quase um ano depois da data estabelecida obrigatoriamente, os portugueses ratificaram o contrato de matrimónio de Carlota com o infante João, e a 17 de Março o marquês de Louriçal entrou em Madrid para a assinatura definitiva das cláusulas matrimoniais, a qual teve lugar no Salão dos Reinos do Palácio Real dessa cidade, acabado de inaugurar. Era a primeira vez que muitos nobres entravam naquele edifício de estilo italiano, que para os gostos de uma nobreza castelhana tradicionalmente austera era excessivamente grande e com demasiados dourados. À noite, Henrique Menezes, marquês de Louriçal, ofereceu um banquete para toda a corte no palácio da Rua Hortaleza, no velho Centro de Madrid, onde tinha a sua residência. Cerca de duas mil pessoas assistiram a uma festa na qual os bailes duraram até de madrugada. O embaixador português, especialmente designado pela rainha dona Maria para se ocupar das negociações matrimoniais, talvez tenha sentido que esta boda era a coroação da sua carreira e quis festejar efusivamente. Tinha toda a razão, se considerarmos que os trâmites para casar o infante João tinham durado uns extenuantes oito anos e os problemas surgidos durante a negociação tinham-lhe custado a debilitação da sua saúde, coisa pouca para quem se orgulhava de descender de uma antiga linhagem leonesa, estabelecida em Portugal desde a época da rainha Teresa e do conde Henrique de Borgonha.
Como muitos membros da mais antiga nobreza lusa, o marquês não deixava de sentir uma certa nostalgia pelos tempos passados. Curiosamente, a um ramo muito próximo da sua família tinha pertencido Leonor Teles Menezes, a mãe da infanta portuguesa cujo matrimónio com um rei castelhano por vontade daquela tinha sido causa da invasão de Portugal e o final da primeira dinastia ali reinante, tendo Leonor acabado os seus dias exilada em Tordesilhas. Alguns anos depois da boda de dona Carlota, um novo embaixador francês respeitado em Lisboa comentaria, em relação ao orgulho que sentia Henrique Menezes por ter sido o artífice do matrimónio de Carlota Joaquina com o infante português, que, no futuro, o povo português também não esqueceria a responsabilidade de Louriçal nesta questão..., para o censurar.
Cerimónias semelhantes às realizadas em Madrid para festejar a boda da infanta com João tiveram lugar a 11 de Abril em Lisboa, quando o conde de Fernán-Núñez, embaixador espanhol, entrou na cidade para a celebração do matrimónio por procuração da infanta dona Maria Ana, irmã de João, com o infante Gabriel, filho do rei Carlos III e tio de Carlota. A 11 de Maio de 1785, Carlota Joaquina deixou definitivamente o Palácio de Aranjuez, no qual é possível que tenha nascido, com destino a Vila Viçosa, onde, poucos dias depois, se realizou a tradicional troca de noivas. Os cortesãos do séquito espanhol ficaram encantados quando viram que a infanta Maria Ana era uma jovem de porte elegante, que aos mais anciãos recordava a sua bisavó, Isabel de Farnésio. Alguns portugueses foram, por seu turno, menos complacentes com a infanta espanhola. Possivelmente devido às palavras de Louriçal, que a tinha descrito num despacho como alta, muito bem feita de corpo, comentaram que, na realidade, Portugal tinha saído a perder com a troca, uma vez que enquanto os portugueses tinham entregado uma pescada, os espanhóis tinham-lhes dado uma sardinha.

Os caprichos de uma Infanta (1785-1790)
O retrato de Carlota Joaquina que Maella acabou de pintar antes da partida desta para Portugal, actualmente no Museu do Prado, mostra uma menina bastante alta para os 10 anos que tinha então a infanta, e portanto, pelo menos nisso, diferente do que foi descrito com ironia por alguns quando chegou ao seu reino de destino. Mas o que mais surpreende a quem o vê hoje pela primeira vez é a elegância do porte e a distinção que parecem emanar do modelo». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.

Cortesia EdosLivros/JDACT