sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A Carícia Essencial. Roberto Shinyashiki. «Já pensou o que seria de nós, se não tivéssemos permanentemente onde dormir, se a nossa casa mudasse de endereço todos os dias?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Cada vez mais gente ia à bruxa para adquirir unguentos e poções. Mas a bruxa não queria realmente que as pessoas morressem porque se isso ocorresse, deixariam de comprar poções e unguentos: inventou um novo plano. Todos ganhavam um saquinho que era muito parecido com o saquinho de Carinhos, porém era frio e continha Espinhos Frios. Os Espinhos Frios faziam as pessoas sentirem-se frias e espetadas, mas evitava que murchassem. Daí para frente, sempre que alguém dizia eu quero um Carinho Quente, aqueles que tinham medo de perder um suprimento, respondiam: não posso dar-lhe um Carinho Quente, mas, se você quiser, posso dar-lhe um Espinho Frio. A situação ficou muito complicada porque, desde a vinda da bruxa havia cada vez menos Carinhos Quentes para se achar e estes se tornaram valiosíssimos. Isto fez com que as pessoas tentassem de tudo para consegui-los. Antes da bruxa chegar as pessoas costumavam reunir-se em grupos de três, quatro, cinco sem se preocuparem com quem estava dando carinho para quem. Depois que a bruxa apareceu, as pessoas começaram a juntar-se aos pares, e a reservar todos os seus Carinhos Quentes exclusivamente para o parceiro. Quando se esqueciam e davam um Carinho Quente para outra pessoa, logo se sentiam culpadas. As pessoas que não conseguiam encontrar parceiros generosos precisavam trabalhar muito para obter dinheiro para comprá-los. Outras pessoas tornavam-se simpáticas e recebiam muitos Carinhos Quentes sem ter de retribuí-los. Então, passavam a vendê-los aos que precisavam deles para sobreviver. Outras pessoas, ainda, pegavam os Espinhos Frios, que eram ilimitados e de graça, cobriam-nos com cobertura branquinha e estufada, fazendo-os passar por Carinhos Quentes.
É importante termos consciência de que qualquer forma de estímulo leva o indivíduo a perceber-se vivo... Que serve como um factor de equilíbrio da pessoa, ainda que por vezes instável. Levine realizou uma série de experiências com ratos e chegou à conclusão de que qualquer estímulo, ainda que seja negativo, é melhor do que o abandono. O cientista separou-os em três grupos: o primeiro era colocado numa gaiola e submetido a choques eléctricos todos os dias, na mesma hora, por um certo tempo; e o segundo grupo também era colocado na gaiola de choques, todos os dias, à mesma hora, pelo mesmo período de tempo, mas não recebia os choques. O último grupo era deixado na gaiola permanentemente sem ser sequer manuseado. Para surpresa de Levine, não havia, no final da experiência, grande diferença no comportamento dos dois primeiros grupos, enquanto que o terceiro, que não recebia qualquer estímulo, comportou-se de forma bastante diferente. Quando colocados em ambientes estranhos, que lhes causavam tensões, os ratinhos do grupo que não recebia estímulos agacharam-se no canto da caixa, amedrontados e sem qualquer curiosidade para explorar; os que estavam habituados à tensão (choque eléctrico) no entanto, exploravam o ambiente, tanto quanto aqueles que não receberam choque. A estimulação positiva ou negativa, como nos mostra Levine, acelera o funcionamento do sistema glandular supra-renal, que desempenha um papel importantíssimo no comportamento dos animais adultos. Sem qualquer dúvida, os animais manipulados abrem os olhos mais cedo, sua coordenação motora é desenvolvida também mais cedo, o pelo do corpo cresce com mais rapidez e tendem a ser significativamente mais pesados quando desmamam. Apresentam, também, maior resistência a uma injecção de células de leucemia, por um tempo mais longo.
Fome sexual. O desejo sexual é também uma fome natural. É natural o desejo e esta vontade de concretizar esse desejo. que se manifesta. Simplesmente... Como um botão tende a formar uma rosa, como a vontade que se tem de agarrar e ser agarrado... É poder viver esse desejo... Assim como comer quando se tem fome... É tanto amor que se tem o desejo de estar dentro do outro, e ter o outro dentro de si, no mais profundo da entrega. Ter sexo como alimento, sem conflitos, como encontro amoroso, que seja muito mais que uma simples fome de estruturas. As estruturas são pontos de referência e os seres humanos necessitam ter as suas referências, ver o mundo de uma maneira estruturada, como por exemplo: a cama de uma certa forma, as suas cadeiras, o que vai fazer com o tempo, com sua vida. Já pensou o que seria de nós, se não tivéssemos permanentemente onde dormir, se a nossa casa mudasse de endereço todos os dias? Lembra-se da confusão que muitas vezes se dá quando alguém arruma os seus livros, a tal bagunça organizada? As estruturas levam as pessoas a terem as suas referências. É comum alguém dizer: eu sinto-me ansioso pois não sei o que nós somos; se amigos, amantes ou namorados... E quando as aquela coisa da paixão, da entrega...» In Roberto Shinyashiki, A Carícia Essencial, 1984, Editora Pergaminho, colecção Gente, 1995, ISBN 978-972-711-224-1.


Cortesia de EPergaminho/JDACT