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Isso levou a velha senhora a rir-se de mim, como podem imaginar, muito bem,
minha senhora, com efeito, disse ela, caçoando, quer ser uma dama; diga-me, por
favor, o que vai fazer para ser uma dama? Fará isso com seus amplos
conhecimentos? Isso mesmo, repeti, com toda a inocência. Ora, quanto você
poderá ganhar?, perguntou ela, quanto ganha com seu trabalho? Três tostões para
fiar, respondi, e quatro para fazer trabalho de costura. Ai, pobre dama!, disse
ela de novo, rindo, e o que vai fazer com isso? Com isso eu me manterei,
respondi, se a senhora permitir que eu more aqui, pronunciei essas palavras num
tom tão suplicante que, como ela me disse mais tarde, fez com que seu coração
se compadecesse de mim. Mas não bastará para seu sustento, nem para que você
compre roupas; nesse caso, quem há de comprar as roupas da daminha?, indagou
ela, sorrindo o tempo todo. Então, trabalharei mais, disse, e tudo o que eu
ganhar será para a senhora.
Pobre criança! Isso não a manterá,
tampouco será o bastante para comprar roupas, mal bastará para se alimentar. Então
não comprarei alimentos, disse novamente com toda a minha inocência, mas deixe-me
morar com a senhora. Mas…, poderá viver sem alimentos?, perguntou ela; sim,
respondi mais uma vez, criança que era e ainda chorando perdidamente. Não havia
malícia alguma nas minhas palavras, percebe-se facilmente que era tudo espontâneo
e acompanhado de tanta inocência e de tamanha paixão que também a bondosa anciã
se pôs a chorar, e por fim o seu pranto nada ficou devendo ao meu; depois
pegou-me pela mão e retirou-me da sala de aula; venha, disse-me ela, não irá
trabalhar nos serviços domésticos, vai morar comigo; naquele momento, fiquei apaziguada.
Passado algum tempo, a minha
bondosa mãe de criação foi visitar o prefeito e, conversando com ele a respeito
de assuntos atinentes à sua ocupação, minha história veio à baila e ela a
narrou ao senhor prefeito do começo ao fim, e ele gostou tanto que chamou a sua
mulher e as duas filhas para escutar, e com certeza acharam muita graça na
exposição. Não decorrera uma semana quando, de repente, apresentaram-se na casa
a senhora prefeita e suas duas filhas para visitar a minha idosa mãe de
criação e ver a sua escola e as crianças, e depois de percorrerem as dependências
por algum tempo, a mulher do prefeito disse, senhora, quem é a menina que quer
ser uma dama?, e ao ouvir aquilo, de início fiquei aterrorizada, embora não
soubesse porquê; a prefeita aproximou-se de mim, muito bem, senhorita, disse, em
que está trabalhando neste exacto momento? O termo senhorita fazia parte de uma
linguagem que raramente ou nunca se ouvia na nossa escola, e fiquei a perguntar-me
que nome feio seria aquele com que ela estava me chamando, no entanto levantei-me
e fiz uma mesura; a prefeita pegou o trabalho da minha mão, examinou-o e
disse que estava muito bem-feito; em seguida tomou-me uma das mãos, bem, esta
menina poderá vir a ser uma dama: afinal, tem as mãos finas de uma dama, ela disse;
essas palavras certamente muito me agradaram, mas a senhora não parou ali e,
depois de devolver o meu trabalho, meteu a mão no bolso, deu-me um xelim e
recomendou-me que dedicasse muita atenção ao trabalho e aprendesse a fazê-lo
com esmero, pois, na sua opinião, eu poderia chegar a ser uma dama.
Pois bem, é preciso dizer que a minha
bondosa mãe de criação, a senhora prefeita e todos os demais não faziam a menor
ideia do que eu queria dizer, já que para eles a palavra dama significava uma
coisa e, para mim, algo muitíssimo diferente; o que eu queria dizer quando
falava em ser uma dama era poder trabalhar por minha própria conta e ganhar o
suficiente para me manter distante daquele fantasma assustador que era
trabalhar como criada para os outros, ao passo que eles pensavam numa uma vida
de grandezas e luxos, numa alta posição social e não sei que mais. Bem, depois
que a senhora saiu, as suas duas filhas entraram, perguntaram também pela dama
e conversaram comigo por um bom tempo, e eu respondia com o meu jeito inocente,
e a cada vez que me perguntavam se eu queria ser uma dama eu respondia que sim;
por fim, uma delas perguntou-me o que era uma dama e isso me deixou muito
intrigada, e acabei explicando no sentido negativo: ou seja, uma dama era uma
mulher que não trabalhava como criada, que não fazia serviços domésticos; elas mostraram-se
amáveis comigo e satisfeitas com a minha conversa ingénua, que, segundo me
pareceu, divertiu-as um pouco, e ao saírem também me deram dinheiro.
Entreguei-o todo à minha mestra-mãe, como eu a chamava, e disse que quando eu
me tornasse uma dama lhe daria também todo o meu dinheiro, como fazia agora;
com a explicação e outras frases minhas, minha mestra começou a compreender o
que eu queria dizer com ser uma dama: que com esse termo referia-me tão somente
a poder ganhar o pão com o meu próprio trabalho, e me perguntou, finalmente, se
não era isso». In Daniel Defoe, Moll Flanders, 1722, A Vida Amorosa de Moll Flanders,
Publicações Europa América, 1998, ISBN 978-972-104-443-2.
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