«(…) E da guerra..., da guerra, não
se fala?! Alertava o Germano Maluco, enquanto a mole humana, indiferente, debandava
da casa da câmara, pequeno edifício de planta rectangular e fachada na qual se destacavam
quatro singelas arcadas. A dignidade era-lhe fornecida pelo brasão manuelino a emoldurar
as armas do concelho. Diga-se que não era de todo disparatada a preocupação do
Germano. O tempo primaveril trouxera consigo rumores de que Carlos IV declarara
guerra a Portugal no início do mês, consequência da ameaça bélica em que França
e Espanha traziam os lusos desde 1795: são assuntos lá entre o Napoleão e a Inglaterra,
dizia-se, tentando desdramatizar a pressão diplomática latente. Porém, no
fundo, sabiam todos que tantas vezes vai o cântaro à fonte, que em alguma lá
deixa a asa. Contudo, era impossível viver o dia-a-dia amedrontadas, e, por isso,
as gentes acabavam a não dar muita credibilidade aos rumores de que daquela vez
é que era, que ate já haveria notificação formal do novo conflito.
Como ose entendeu, Almeida possuía
juiz de fora ou de fora-aparte, como se denominara ao tempo de Afonso IV Nomeado
pela casa do Infantado, o titular usufruía, desde 1789 quando para o cargo fora
indigitado, de residência condizente com o seu estatuto de magistrado. Tão importante
posto concedia-lhe poder jurisdicional sobre quase todas as matérias. A exemplo
doutros lugares, havia sido imposto à pelo rei, sob o pretexto de que administrava
melhor a justiça aos povos do que os juízes ordinários, também chamados do
lugar, em razão de suas afeições e ódios. A partir do século XVI, o poder régio
tomou a seu cargo o pagamento dos juízes e ganhou o privilégio de impor o funcionário
ao poder municipal, usurpando jurisdição que até ali não lhe competia. O juiz de
fora era letrado, ou antes, instruído no Direito Romano, ao invés do juiz
ordinário, que administrava justiça tendo em vista o Direito costumeiro e os forais.
Nomeados por triénios, presidia às câmaras e tinha o poder de sentenciar de forma
independente. Ocupava ainda o ofício de juiz de órfãos quando o posto estivesse
vago.
Ao tempo Almeida representava o padrão
dos pequenos concelhos do reino, sobretudo do Norte e Centro, quer em extensão,
cerca de 300 quilómetros quadrados de área, quer em população, 3408 habitantes.
A queixa referida pelos aldeões sobre o regime de requisições de trabalho visava
os vereadores cujas funções envolviam competências em matéria de bens concelhios.
Para além dos aspectos citados na reclamação efectuada, cabia ainda àqueles a tarefa
de mandar semear diversos tipos arbóreos. Outrossim possuíam prerrogativas para
aprovar posturas, lançar taxas e fintas e, de um modo geral, acorrer a despesas
que requeressem receitas extraordinárias». In Eduardo Gomes, Terra Queimada, Edições
Saída de Emergência, 2017, ISBN 978-989-773-047-4.
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