«(…) Será que pode indicar-me
onde estou? Estendi o mapa na sua direcção. Dando a volta, de maneira a poder
bloquear o vento, colocou-se a meu lado, com a cabeça inclinada sobre a linha
costeira impressa. Aqui, disse ele, e apontou para um promontório sem nome. Cruden
Bay. Onde deveria estar? A sua cabeça virou-se muito levemente quando fez a
pergunta, e reparei que os seus olhos não eram os olhos de um pirata. Eram
cinzento-claros e amigáveis, e a sua voz também era amigável, com toda a cadência
agradável e enrolada de um escocês do Norte. Vou para norte…, para Peterhead,
respondi. Bem, isso não é um problema. Apontou para o mapa. Não é longe. Siga
por esta estrada e irá directamente até Peterhead. Próximo do seu joelho, o cão
bocejou uma queixa, e ele suspirou e olhou para baixo. Espera meio minuto. Não
vês que estou a conversar? Sorri. Qual é o nome dele? Angus. Dobrando-me, afaguei as
orelhas caídas do cão, sujas de lama. Olá, Angus. Andaste a correr. Sim, ele correria durante todo o
dia se o deixasse. Não gosta de estar parado. Da mesma maneira, pensei, que o
seu dono. O homem tinha uma aura de energia, de agitação e eu já o fizera
demorar tempo suficiente. Então, vou deixá-lo ir-se embora, disse eu, enquanto
me endireitava. Obrigada pela ajuda.
Não custou nada, assegurou-me, e
virou-se, recomeçando a andar, com o spaniel
a trotar alegremente à sua frente. O trilho endurecido estendia-se
diante de ambos, na direcção do mar, e no final vi as ruínas do castelo erguendo-se
severas, quadradas e sem tecto para as nuvens que corriam rapidamente. Enquanto
olhava para ele, senti um impulso repentino de ficar, de deixar o carro
estacionado onde estava e seguir o homem e o cão até ao sítio para onde tinham
ido, e ouvir o bramido do mar em redor das muralhas desmoronadas. Mas tinha
promessas a cumprir. Assim, com relutância, regressei ao carro alugado, rodei a
chave na ignição e parti novamente em direcção a norte.
Estás noutro sítio. A voz de
Jane, lançando sobre mim uma suave acusação, quebrou os meus pensamentos. Estávamos
sentadas no quarto do piso superior da casa dela, em Peterhead, o quarto com
pequenas cadeias entrelaçadas de botões de rosa no papel de parede, longe da
agitação da festa no piso inferior. Recompus-me e sorri. Eu não estou, eu… Carolyn
McClelland, disse ela, usando o meu primeiro nome completo como sempre fazia
quando me apanhava prestes a dizer uma mentira. Sou tua agente há quase sete
anos, não me enganas. É por causa do livro? Os seus olhos mostravam-se
ansiosos. Não deveria ter-te arrastado até aqui deste modo, pois não? Não
quando estás a escrever. Não sejas pateta. Há coisas mais importantes, disse eu,
do que escrever. E para o demonstrar, inclinei-me para a frente de maneira a
poder olhar mais atentamente para o bebé que dormia enrolado em cobertores
sobre o colo dela. Ele é mesmo muito bonito. É, não é? Orgulhosamente, ela
seguiu o meu olhar. A mãe do Alan diz que ele se parece exactamente com o Alan
quando era bebé. Eu não conseguia ver isso. Acho que ele tem mais coisas tuas.
Basta olhar para o cabelo. Oh, o cabelo, meu Deus, sim, coitadinho, disse ela,
tocando na suavidade brilhante, em tons de cobre e ouro, da pequena cabeça.
Tinha algumas esperanças de que
fosse poupado a isso. Ele vai ter sardas, sabes? Mas as sardas ficam tão
bonitas nos rapazinhos. Sim, bem, não te esqueças de vir cá dizer-lhe isso,
quando ele tiver dezasseis anos e me amaldiçoar. Pelo menos, disse eu, não vai
ficar aborrecido com o nome que lhe deram. Jack é um nome bonito, bom, muito
viril. A escolha do desespero. Eu estava à espera de algo que soasse mais escocês,
mas o Alan foi tão irredutível. De todas as vezes que eu propunha um nome, ele
dizia: não, tivemos um cão que se chamava assim, e era o fim. A sério, Carrie,
durante algum tempo pensei que o iríamos baptizar como Bebé Ramsay.
Mas é claro que não o tinham
feito. Jane e Alan arranjavam sempre uma forma de contornar as divergências e o
pequeno Jack Ramsay estivera na igreja hoje, tendo eu chegado a tempo de ser a
sua madrinha. Que o tivesse conseguido fazer ignorando todos os limites de
velocidade entre a minha paragem em Cruden Bay e este sítio deixara o bebé tão
pouco impressionado que, quando me vira pela primeira vez, bocejara e
mergulhara num sono de tal modo profundo que nem chegara a acordar quando o padre
lhe deitara a água sobre a cabeça. Ele é sempre assim tão calmo?, perguntei,
enquanto olhava para ele. Porquê, pensavas que eu não conseguiria ter um bebé
calmo? Os olhos de Jane procuravam arreliar-me, porque ela conhecia a sua própria
natureza. Não era o que eu chamaria uma pessoa calma. Tinha uma vontade forte;
era determinada e vibrante, tão animada que me fazia sentir incolor, de alguma forma,
ao seu lado. E cansada. Eu não conseguia acompanhar o seu ritmo». In Susanna
Kearsley, O Segredo de Sophia, Edições ASA, 2012, ISBN 978-989-231-944-5.
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