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Todos estes universos trovadorescos guardam as suas próprias especificidades.
Mas existem certas características comuns que tocam todo o grande conjunto de
poetas-cantores medievais, como a itinerância de boa parte de seus
participantes ou a oralidade da sua produção. A entender por estes critérios, a
cultura medieval contou com uma longa duração de movimentos trovadorescos nas
várias partes da Europa (a partir da Idade Moderna esta longa duração desfaz-se
num mundo que será progressivamente tomado pelo predomínio da escrita, pela
separação entre poesia e música, pela profissionalização mais estabilizadora do
artista, e por toda uma série de novas práticas que deixarão o mundo dos
trovadores medievais para trás). E, contudo, naquela espécie de longa duração
trovadoresca marcada pela itinerância e pela oralidade se inscrevem as durações
mais curtas, compreensíveis a partir de um enfoque historiográfico que permite
isolar os diversos trovadorismos de acordo com as sociedades que os envolvem. É
aqui que surge uma acepção mais restrita para a designação trovadores.
Segundo esta, o movimento trovadoresco pode remeter a uma realidade mais específica,
como a das cortes régias e senhoriais a partir do século XI, quando a cultura
aristocrática assimila a produção poético-musical como uma de suas actividades
distintivas. Os historiadores puderam debruçar-se mais especificamente sobre
estes trovadores cortesãos que actuaram no Ocidente Europeu entre os séculos XI
e XIV porque eles deixaram muitos registos, seja sob a forma de cantigas das
quais se conhece a poesia e a música que foram anotadas em grandes códices de
manuscritos palacianos, seja sob a forma de relatos acerca de suas vidas que
nos foram legados pelos cronistas da época e por textos difundidos pelos
próprios trovadores. É frequentemente a este universo trovadoresco mais
singular que muitos historiadores se referem quando utilizam a designação trovador.
Assim, esta acepção mais restrita representa uma espécie de recorte, no espaço
social e no tempo, dentro da produção trovadoresca mais ampla. Refere-se pois à
poesia, popular ou aristocrática, que circulava no meio cortesão, notando-se que
desta circulação participavam os mais diversos tipos sociais. Além disso remete
a um período que vai do século XI ao XIV, estendendo-se ao século XV em algumas
cortes alemãs. É a esta contribuição trovadoresca mais específica que nos
referiremos a partir daqui. Tal como foi dito, característica comum à boa parte
dos trovadores medievais de que trataremos aqui era a sua itinerância, ainda
que esta não deva ser exagerada, já que muitos trovadores se estabeleciam a seu
tempo em alguma corte ou região. Ser um meio movente traz uma efervescência
especial ao meio trovadoresco. O trovador liga-se por esta afinidade àquelas
figuras do cavaleiro andante, do clérigo errante, do mercador e navegante, cada
qual um elemento importante no processo de transformação da sociedade medieval
a partir do século XI. Ao mesmo tempo, a itinerância punha em contacto todos os
trovadores, facilitava as trocas culturais e criava uma grande malha que
recobria todo o Ocidente Europeu com o seu tecido de versos e sonoridades. O
grande concerto dos poetas-cantores tinha contudo os seus timbres internos.
Para efeito de simplificação, consideremos as cinco principais regiões
culturais em termos de produção trovadoresca. A França via-se então dividida
culturalmente em norte e sul, daí gerando dois subconjuntos distintos e
separados pela linguagem. No sul occitânico o subconjunto provençal dos troubadours,
da langue d'oc e da civilização cátara, berço do amor cortês. No norte,
os trouvères, cantando na langue d'oil as primeiras canções de gesta.
Em torno do vale do Pó, foi mais tardio o movimento dos trovadores italianos,
dando origem ao chamado dolce stil nuovo. Na Alemanha, a Minnesang
contribuía com a sua versão germânica para o amor cortês (minne = amor
subtil) e para outros géneros trovadorescos. Finalmente, o subconjunto dos trovadores
galego-portugueses, que unificava através de uma língua poética comum boa
parte da península ibérica cristã (com excepção de Aragão e da Catalunha, mais
ligados ao circuito provençal). Dos cinco subconjuntos destacados, o Provençal
pode ser tomado como o grande pólo de irradiação que detonou o trovadorismo de
corte. A grande novidade trazida por estes troubadours do sul occitânico
(cortes da Provença, Toulouse, região da Catalunha) foi sem sombra de dúvida o Amor
Cortês. Explica a sua irresistível difusão por toda a Europa Feudal o
facto de que este novo modelo do sentir estava em imediata sintonia com os
valores feudo-vassálicos do seu tempo, com formas apaixonadas de religiosidade
que então surgiam, com necessidades sociais inter-familiares que proporcionaram
não apenas o surgimento dos trovadores, mas também dos cavaleiros andantes em
busca de aventuras e de oportunidades. É esta contribuição mais específica do
Amor Cortês que enfocaremos agora. Ela não é a única contribuição do
trovadorismo para a cultura medieval e para a história do pensamento do homem
ocidental, mas seguramente é a mais impactante». In José D’Assunção Barros, Os
Trovadores Medievais e o Amor Cortês, Reflexões historiográficas, 1995, revista
Alethéia, UFG, Abril/Maio, 2008.
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