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Novos campos historiográficos e novas leituras da
passagem
«(…) A síntese desta complexa trajectória
dos visigodos para dentro e por dentro do Império, com encaixes e desencaixes
dos povos visigodos em relação ao Império e ao sentimento de pertença em
relação à cidadania romana, revela-nos desde o século III sucessivas nuances: a
de opositores militares, refugiados, povos assimilados, povos assimilados que
se revoltam, contingentes militares integrados ao Império, contingentes
integrados ao exército imperial que novamente se insurgem, para retornar então
à nuance de opositores militares. Para além disto, deveríamos verificar ainda a
nuance sempre presente de populações de visigodos que poderiam ser vistas
simplesmente como migrantes, como grandes massas populacionais, que encontram
oportunidade de se deslocar para terras romanas em busca de melhores condições.
O congelamento de rios como o Reno, em certos invernos como o de 406, pode oferecer
em certos momentos uma ponte natural para populações de povos não latinos que, do
outro lado do rio, só poderiam concretizar este deslocamento massivo com o
apoio deste providencial facto da natureza. Por outro lado, ao longo de toda a
história do Império Romano, contingentes menores ou maiores de migrações
germânicas forçaram as fronteiras do Império como um facto que sempre fora bem
administrado.
No conjunto dos migrantes, novas
nuances desenhavam-se, de salteadores que chegavam e partiam a homens
procurando trabalho que se estabeleciam, a guerreiros que conseguiam ser assimilados
no próprio exército romano. Percebemos, portanto, as mais distintas nuances
acompanhando os deslocamentos visigodos, e de outros povos germânicos de modo
geral, para dentro do Império e por dentro do mesmo, o que não permite falar
apenas, taxativamente, de invasões visigodas, ou também de invasões bárbaras
para os outros casos. A história demográfica, a história social, a história
cultural, com seus extraordinários desenvolvimentos historiográficos a partir
do século XX, permitiriam, aliás, examinar estes processos migratórios e estes
grandes deslocamentos a partir de novas perspectivas, para além da que era
antes proporcionada pela história militar.
Interlúdio: algumas leituras sobre a
passagem que remonta à sua própria época
Antes de avançarmos num quadro
mais diversificado de perspectivas sobre a passagem, será útil insistir na
ideia de que, em que pese o facto de que tenha sido a história política do século
XIX o que grosso modo favoreceu certas leituras acerca do papel das agressões externas
ou do declínio interno na queda do Império Romano, diversas destas interpretações
já vinham sendo colocadas até mesmo na própria época da passagem da Antiguidade
para o período Medieval. Tal como foi ressaltado antes, acontecimentos como o saque
visigodo de Roma em 410 impactaram de tal maneira os cidadãos do Império que,
tão logo ocorreram, começaram a produzir imediatas interpretações. Exemplos
significativos são as inquietações expressas em algumas das Epístolas de São Jerónimo,
ou na já mencionada História contra
os pagãos redigida por Paolo Orósio, para além de algumas
interpretações cristãs de cunho milenarista que queriam pressentir, nos
surpreendentes acontecimentos que assolavam o Império, a proximidade do fim do
mundo. Em contrapartida, havia os que enxergavam nas transformações religiosas
do Império, consolidando-se na adopção do cristianismo como religião única, a
verdadeira origem das calamidades que agora se abatiam sobre a civilização
romana, de modo que para salvar esta civilização seria preciso reverter ao
paganismo. Por fim, havia os que viam as invasões germânicas e hunas como um
brutal e irreversível acontecimento que estava prestes a soterrar inexoravelmente
o mundo civilizado». In José D’Assunção Barros, Papas, Imperadores e
Hereses na Idade Média, Editora Vozes, 2012, ISBN 978-853-264-454-1.
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