Cortesia de wikipedia e jdact
«(…) Mais ainda. Estamos num terreno
movediço: Qual é a separação entre a língua popular e a literária? A demarcação
é relativamente fácil de fazer no campo da fonética e do léxico, visto os
vocábulos populares obedecerem às leis fonéticas e os literários delas se
emanciparem, imporfando directamente a forma latina da palavra. Mas no campo da
sintaxe?... Qual como, sem estar em correlacção com tal, que nos aparece a toda
3 hora no poema,é latinismo ou não? Há argumentos pró e contra, como adiante se
verá. O próprio Epifânio Dias que escreveu uma Sintaxe histórica portuguesa não
delimitou nesse compêndio a língua literária da popular; registou. paralelos
com construções latinas, mas todos esses paralelos são de origem erudita?...,
Tacuit.
E no domínio da semântica?... Se certos
casos são palpáveis, outros há que são enigmáticos… Fingir, fabricar, gostar, provar,
(trans.) e quantos outros exemplos; que se registam no poema. E, como fonte, o
Dicionário de Morais, tão útil por vezes, neste domínio ainda mais perplexos
nos deixa. Todos estes argumentos põem em relevo a dificuldade do assunto. O
trabalho definitivo sobre os latinismos dos Lusíadas, isto é, sobre a
contribuição que nesse campo, o poema trouxe ao enriquecimento da língua
literária, só poderá ser feito no dia em que, estiver suficientemente
delimitada a língua literária da popular nos domínios da sintaxe e da
semântica; houver monografias sobre o enriquecimento da língua operado pelos
autores do século XV e pelos quinhentistas anteriores a Camões.
Posto isto, há um problema que já está
contido implicitamente em toda a exposição que precede, mas que é preciso
tratar ex professo: há ou não provas de que Camões era muito lido nos clássicos latinos?
A demonstração desta hipótese simplifica grandemente uma argumentação de
carácter filológico que consista em registar latinismos glóticos nas obras do
grande épico. O assunto não pode ser esgotado nesta introdução, por dois
motivos; a) é um assunto de carácter
literário que não quadra com a índole glotológica deste trabalho; b) só por si daria, ensanchas para uma
série de monografias de carácter literário, quais seriam: o Vergilianismo dos
Lusíadas, Reminiscências, de Ovídio em Camões. Que prosadores latinos teria
lido Camões?, etc..
No entanto, digo vantagem, não digo
necessidade absoluta. Poder-se-ia mesmo inverter o sentido, da pesquisa e
partir da verificação de latinismos glóticos no poema para a prova da cultura
humanística do poeta, convém traçar o problema. Poder-se-ia afirmar à priori
que Camões era lido nos clássicos, latinos, visto tratar-se de um homem de letras
do Renascimento. Mas não é preciso; já Manuel Lira em 1584 registara lugares de
clássicos latinos imitados pelo poeta; depois o problema foi traçado e quási
esgotado por Faria Sousa, há trezentos anos. No entanto, já bem perto de nós,
houve quem rejeitasse ou pelo menos pusesse em dúvida a demonstração de Faria
Sousa: foi Sousa Viterbo.
Diz ele: Manuel Faria Sousa foi quem mais
profundamente estudou o poeta e os seus comentários revelam uma erudição tão
assombrosa como esmagadora e estéril. Querendo levantar a memória do poeta,
imaginando prestar-lhe um grande serviço, não fez, a meu modo de ver, senão
deprimir-lhe o talento, apoucando-lhe a sua originalidade, no confronto e
paralelo constante das passagens camoneanas com similares de outros poetas. Por
muito grande que fosse a erudição do cantor dos Lusíadas, custaria ainda assim
a admitir que ele tivesse tido tempo e paciência para ler tantos autores. Não
foram longos os anos do seu trânsito na terra, esses mesmos ocupados e
agitados, e mal se compreende que a sorte lhe reservasse tão apetecidos e
apetitosos ócios literários. Isso era bom para um Sá de Miranda, a quem o mimo
de duas rendosas comendas, além de outros bens de fortuna, permitiam filosofar
senecamente no remanso florido dos riozinhos pitorescos, que lhe serpenteavam a
solarenga propriedade minhota» In Carlos Eugénio Correa Silva (Paço
d’Arcos), Ensaio sobre os Latinismos dos Lusiadas, 1931/35, imprensa da U. de
Coimbra, 1972, Imprensa N. Casa da Moeda, Separata de O Instituto, vols. 79 a
82, à memória de Augusto Epifânio Silva Dias.
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