Cortesia
de wikipedia e jdact
«Nos finais da Idade Media o comércio marítimo tornara-se essencial para o
desenvolvimento económico da cidade do
Porto. Nesse tempo, a sua frota consolidara já uma serie de rotas
internacionais e os seus mercadores eram presença assídua em diversos portos europeus. Um dos problemas
perturbadores desta actividade era o corso exercido sobre as suas embarcações levado a cabo por ingleses,
franceses e castelhanos. Com base
num documento de 1469, surpreendemos dinâmicas mercantis e, acima de tudo, a forma como as autoridades da cidade providenciavam a
defesa da sua navegação contra os assaltos perpetrados por esses corsários.
Em Julho de 1469 a Câmara do Porto
apanhava um enorme susto. Um mensageiro trazia noticias inquietantes: os navios
que se esperavam provenientes da Irlanda estavam sob ameaça de corsários
franceses. Não é difícil imaginar o alvoroço que estas noticias provocaram. O assunto
dominaria todas as conversas, entre as famílias dos homens embarcados, nas
casas dos homens de negócios, na Ribeira, nas estalagens e nas tabernas. E que
a cidade baseava a sua prosperidade no comércio marítimo e uma larga fatia das
suas gentes tinha interesses nesses navios. Por isso, a Vereação reuniu de
emergência e agiu com a presteza que o assunto exigia. No cais estava uma
caravela pronta para levantar ferro. Foi imediatamente requisitada, abastecida
e equipada com uma companhia de homens armados sob o comando de André Pires,
morador no Porto. É a história desta expedição e a análise deste tipo de
procedimentos que motivam este estudo. Contudo, antes de la chegarmos, há alguns
aspectos importantes sobre a evolução marítima portuense e um historial de
problemas marítimos com piratas e corsários que convém abordar de forma breve para
contextualizar aquele episódio. Utilizando um documento guardado no Arquivo
Histórico Municipal do Porto, AHMP, sobre a operação de 1469, bem como outros
registos do mesmo arquivo relativos à actividade naval da cidade, procuraremos
detectar ritmos do seu comércio marítimo, principais rotas frequentadas pela
sua frota mercante, áreas comerciais exploradas, estrutura desse comércio,
meios utilizados, períodos de maior movimento, etc.
Durante o século XIII a orla
costeira europeia fervilha. Do Sul mediterrânico, dominado pelas republicas
italianas, ao Norte báltico onde se impõem os mercadores hanseáticos, uma
intensa navegação de cabotagem assegura o abastecimento de vastas regiões e faz
a fortuna daqueles que investem na armação de navios mercantes para transportar
géneros e artigos de fácil colocação.
O grande comércio faz-se já a
longa distância. E a via marítima é gradualmente preferida pelos homens de
negócios. Esse comércio faz-se com navios cada vez mais evoluídos na sua
arquitectura, capacidade de manobra e de carga. Este movimento decorre de um
processo sentido em vários quadrantes geográficos e a Península Ibérica está na
sua vanguarda. A evolução da construção naval reflecte a evolução do comércio
europeu. Durante muito tempo relacionado quase exclusivamente como abastecimento
de artigos vitais, agrícolas, sobretudo aos aglomerados populacionais, ele
passa a ser, nos finais da Idade Media (salvo durante o período agudo da crise
sentida em largos anos da centúria de Trezentos em que as preocupações de
abastecimento voltam a estar na ordem do dia), extremamente diversificado,
muito para além das requisições do momento, e catalizador de uma série de esforços
que darão origem ao capitalismo dos séculos subsequentes (o desenvolvimento do
capitalismo terá como base um processo que, apesar de apresentar
características próprias em cada região, denota alguns pontos em comum
nomeadamente no que diz respeito à consolidação dos centros costeiros, tornados
pontos de escoamento da produção de um vasto hinterland com o qual se estabelecem relações, nem
sempre pacíficas, porque muitas vezes são de dominação. Surgem também parcerias
de mercadores como solução para o risco inerente a operações deste tipo, que
envolvem já um empate de capital significativo. Além disso, começa a notar-se
uma separação nítida entre capital e trabalho, uma distinção decisiva entre o
velho mestre, dono do navio, que contrata uma pequena tripulação e os novas
armadores que nem sequer embarcam e decidem os negócios e os destinos a
percorrer no seu escritório. É evidente que este panorama é muito mais
nítido nos grandes centros de mercancia internacionais, no Mediterrâneo, na
Flandres ou nas cidades hanseáticas onde, para além do mais se desenvolve uma
intensa e indispensável actividade bancária. O caso português e, mais
concretamente, o caso portuense, oferecem diferenças em relação ao que atrás
foi descrito. Muitos mercadores continuam a embarcar e a andar ao frete,
e um grande número de mestres continua a ser dono, pelo menos em parte, dos
seus navios. Contudo, há uma evolução de algum modo semelhante. Só em grupo o
mercador resiste. É apenas participando destas novas formas de partilha de
custos, de lucros e de riscos que ele pode esperar alguma prosperidade. Só
assim é que o mercador surge na forma como habitualmente o reconhecemos: como
um homem dinâmico ligado a empreendimentos e negócios a longa distância. E o
surgimento de instituições como as célebres Companhia das Naus ou
Bolsa de Mercadores não vai de encontro a esta problemática? Não é uma
tomada de consciência deste novo estado de coisas?).
Para
além do refinamento das técnicas de construção naval, a adopção de uma série de
instrumentos náuticos, como a bússola, facilita a concretização de viagens cada
vez mais longas e com uma grande continuidade. Explicando: até então a viagem
estava condicionada por diversos factores tais como, o estado favorável do mar,
o tempo encoberto, a noite, etc. Com a divulgação destas novas técnicas, o
barco pode agora afrontar os elementos desfavoráveis de forma mais afoita». In Amândio
M. Barros, O Porto contra os Corsários, bolseiro da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Revista da Faculdade de Letras, História, Porto, III Serie, 2000».
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