Nota: o foral
tomarense não explicita quais fossem os bens, fundiários e móveis designativos
do cavaleiro, que no vizinho concelho de Abrantes, e em muitos outros, eram,
nos termos do foral de 1179, um casal habitado, uma junta de bois, quarenta ovelhas,
um jumento e duas camas.
«(…) A maioria dos vizinhos
correspondia, porém, aos peões, ou tributários: pequenos lavradores e
mesteirais (incluindo almocreves). A primeira designação destes homens livres
reportava-se à sua função militar, a segunda ao seu estatuto fiscal,
contributivo. Se as referências a este estreito maioritário escasseiam, as
menções que lhes são feitas respeitam à tributação ou à transferência de bens
para a cavalaria-vilã, são nulas no que aos dependentes respeita. O regime
tributário aponta-nos para uma economia de base agrícola. O principal tributo
que se estabelecia era a onerosa jugada, direito real transvertido em tributo
senhorial, devido pelos peões que lavravam a terra com uma junta de bois e
incidindo sobre o cereal (sob a designação ratio), o vinho e o linho
(com o nome de oitava). Entre 1406 e 1410, o mestre da Ordem de Cristo, Lopo
Dias Sousa, intentou diversas demandas contra o concelho de Tomar, por, segundo
alegava, os lavradores de Tomar e termo, desde o início do século XIV,
aproveitando as flutuações do poder derivadas da extinção da Ordem dos
Templários, se haverem eximido ao pagamento da jugada, com a cobertura do
concelho, que seria viciado o foral, omitindo as cláusulas relativas áquele
tributo. O rei João I decidira a favor da Ordem, baseando-se na inquirição e no
clausulado do foral concedido por Sancho I a Torres Novas em 1190, que
reproduzia o de Tomar. A viciação, dada como provada pelo tribunal régio, teria
incidido não sobre a carta de 1162, mas sobre o foral de 1174, na sua parte
final: as cláusulas omitidas inserem-se, no texto torrejano, entre as
decalcadas dos §§ 42º e 43º tomarenses. No foral tido por viciado aparece
apenas a referência breve ao valor da jugada [§ 27º] estranhamente inserida
entre a cláusula de proibição de corte de estradas e a relativa à nomeação de almotacés.
Reclamava-se também a oitava da
madeira e sujeitavam-se os almocreves a um serviço anual. Direitos senhoriais,
exigidos pelo uso de instrumentos de produção, eram a maquia cobrada nas
azenhas e a lavradia. Isentos estavam os peões tomarenses, em contrapartida, de
manaria, de certos serviços pessoais, nunquam faciatis nobis senaram e
da paga à guarnição de portádigo, alcavala ou víveres. A guerra fazia parte do
quotidiano desta, como de todas as comunidades de fronteira. Desta
circunstância decorria a difusão de modelos comportamentais valorativos da
bravura, mas também a inclusão na carta de foral de vasto conjunto de
privilégios à cavalaria-vilã, a que já aludimos e que permitia que esta se
mantivesse operacional, ou da regulamentação dos ganhos a obter pelos participantes
em operações ofensivas em território inimigo, fossem as de maior envergadura e
de formato organizativo mais consistente, como ao fossado, fossem as mais
expeditas e espontâneas, como a cavalgada e a azaria. Mas o foral atendia
também ao aspecto defensivo, corresponsabilizando Ordem e concelho nas acções
de vigilância.
Se a bravura face ao inimigo era
condição de êxito, a conduta violenta entre os vizinhos era fonte de
perturbação, que importava debelar. Daí o cuidado manifestado na carta relativamente
à paz interna. Era indispensável barrar o caminho à justiça pessoal e à
vindicta familiar, assegurar que a justiça fosse exercido através de órgãos e magistraturas
próprios, aceites por todos. O órgão judicial por excelência era a assembleia
de vizinhos, o concilium,
e o juiz concelhio a autoridade especialmente competente. A carta definia ainda
alguns princípios jurídicos básicos: a inviolabilidade do domicílio, espaço da
vida familiar, e a possibilidade, de os vizinhos mudarem de terra e venderem os
seus bens de raiz, livremente. Releve-se, por último, a cláusula cominatória
que acompanha a validação da carta: quem a infringisse, que fosse aniquilado
pela ira divina e perecesse com o diabo e os seus anjos, salvo se tudo fosse
por ele corrigido satisfatória e dignamente.
No preâmbulo da carta de 1174, o
mestre da Ordem do Templo justifica o novo normativo invocando a recomendação
divina de que aqueles que detêm o poder na terra governem o povo a eles submetido
com justiça e equidade e, a propósito, recorre à máxima de Salomão diligite
iustitiam qui iudicatis terram. Por misericórdia, pretende pôr cobro às rapinas
et injurias que a população tomarense sofria». In Manuel S. A. Conde, Os Forais
Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento, Centro de Estudos do Património,
Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº 106, 1996.
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