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Coimbra,
Julho de 1117
«(…) Uma mãe tem de dar carinho,
estar lá, beijar os filhos. Caso contrário, não é uma mãe, é mãe só de nome.
Ora, dona Teresa nunca estava. Via o filho uma ou duas vezes por ano, quando ia
a Lamego ou a Viseu, ou ele ia a Coimbra, mas limitava-se a olhar para ele e a dizer:
estais mais crescido. E era tudo. Nunca lhe dava um beijo, embora exigisse que
ele lhe beijasse a mão. Não era grande coisa como mãe. Nunca foi. A
verdadeira mãe do Afonso Henriques foi sempre a minha mãe, Dordia Viegas.
Ela mimava-o, penteava-o, vestia-o, à noite levava-o para a cama e fazia-lhe o
sinal-da-cruz na testa, como a mim, ao Afonso ou ao Soeiro. Tratava-o como nos
tratava a nós três, seus filhos. Com ternura, como uma mãe deve. E ele
retribuía, amava-a como nós a amávamos, sempre de roda dela, a pedir coisas, a
reclamar atenção. Uma vez, o Afonso Henriques disse-me: Deus é injusto. O meu
pai morreu, tinha eu três anos, mal o conheci, só às suas barbas cinzentas e
falantes. E Dordia, a minha única mãe, morreu naquele Verão do cerco a Coimbra!
Para minha grande tristeza e de
toda a família dos Moniz de Ribadouro, Dordia Viegas já arfava muito, tinha de
sentar-se constantemente, e à mesa estava sempre com um ar calmo de mais, como quem
tinha muitas dores mas sofria em silêncio, para não incomodar os outros. Tanto
o meu amigo como eu sabíamos que, se ela subisse ao Céu, ninguém mais nos iria
dizer: vinde dar-me um beijo! Isso entristecia-o muito, dizia-me o meu melhor
amigo, e era por isso que fazia um esforço para imaginar combates sangrentos logo
de manhã, no alto do castelo de Coimbra. Enquanto o arqueiro suspende a sua
ronda, a um canto da torre, o menino mira de novo a faustosa tenda do califa, e
promete a si próprio que quando for grande o vai derrotar. Terá de aprender a usar
a enorme espada de seu pai, a montar, a vestir a cota de malha e a armadura,
mas será o mais hábil, corajoso e destemido cavaleiro do Condado Portucalense.
Agora sente-se forte, imaginar
vitórias animou-o, mas logo se lembra do que ouviu Egas ou Ermígio dizerem, que
sem Paio Soares a comandá-las as tropas de dona Teresa pouco valem, pois
Bermudo de Trava, seu marido, não nasceu para empunhar uma espada! Ontem,
escutou também as meninas árabes a intrigarem, aos risinhos, nas suas costas: A
rainha não gosta do Bermudo, gosta é do irmão, do Fernão! O menino já reparou
que dona Teresa também nunca beija o marido em público, eles nem se tocam, não
há uma festa carinhosa, uma ternura visível. Nunca viu sequer um abraço e
sempre atribuiu essa falha à maneira de ser de dona Teresa. Dordia
diz que ela é arisca, quando falam na condessa que agora se diz rainha, o que é
raro, pois Dordia evita falar dela.
A esta hora, quando o Sol mal
nasceu a leste, e enquanto o arqueiro se volta a aproximar dele, dona Teresa
ainda deve estar a dormir. Costuma levantar-se tarde, ao contrário do seu
marido galego, que dorme noutro quarto. O menino não consegue conversar com
Bermudo, pois ele raramente fala. O personagem parece mudo e tolo, só abana a
cabeça, confirmando qualquer ordem da autoritária esposa. Tudo o que Bermudo
diz é: bom dia. E, horas depois: boa noite». In Domingos Amaral, Assim Nasceu
Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
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