segunda-feira, 4 de junho de 2018

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal. O Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «Os seus moradores aventuram-se na crescente actividade marítima, como mercadores, armadores o capitães de naus e caravelas»

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Lições de matrimónio imperial
«(…) Um dos diplomatas que chegou a Lisboa no Verão de 1451 escreveu no seu diário que a capital do reino português não desmerecia na sua comparação com nenhuma das cidades mais importantes da Flandres que conhecera, e outro manifestou o seu assombro pela quantidade de mosteiros que via nela e pelo alto nível da sua escola de leis. A verdade é que Lisboa era considerada então um ponto de encontro de navios carregados de mercadorias provenientes do Atlântico e da Europa é um excelente mercado para encontrar os produtos mais exóticos (...). A cidade comporta uma intensa vida de corte. Aqui reside grande número de fidalgos que possuem terras na Estremadura e ocupam cargos de relevo nas áreas administrativas e financeiras (...). Os seus moradores aventuram-se na crescente actividade marítima, como mercadores, armadores o capitães de naus e caravelas.
Em resumo, um lugar adequado para estimular a curiosidade de uma infanta desperta, mas que, em abono da verdade, não parecia importar-se muito em ter de o abandonar, dado o grande interesse que tinha em casar-se, o que, por tradição, deveria ocorrer com um príncipe estrangeiro. Portanto, parece lógico que prestasse especial atenção à comitiva imperial que, a 1 de Agosto de 1451, depois de ter sido recebida pela rainha Isabel Lencastre, grávida de três meses, se dirigia ao que o autor alemão do citado diário denomina de o palácio das infantas, e que não era outro senão o paço de São Bartolomeu.
Segundo esse texto, os diplomatas imperiais ficaram deslumbrados com a indumentária das irmãs do rei, vestidas de forma esplêndida, assim como impressionados com o que nas páginas dessa obra se qualifica de a dança das infantas. Nas diversas ocasiões em que lhes fazem referência, os viajantes estrangeiros que conheceram Joana e sua irmã Leonor costumam relacioná-las com a prática da dança. Por estes testemunhos podemos supor que tal actividade deveria constituir para elas algo mais que um passatempo habitual nas cortes de finais da Idade Média. Há que recordar que entre os objectos que dona Leonor levara para Portugal, quando se casou com o rei Duarte I, está documentada a existência de um instrumento musical chamado manicórdio, no qual a rainha tocara peças, inclusivamente danças populares, para deleite do marido, facto referido pelas crónicas. Prova esta de uma autêntica paixão pela música que, provavelmente, a mãe transmitiu às suas filhas. No entanto, o citado diplomata alemão falava de dança praticada entre mulheres. Não se tratava de algo invulgar nas cortes da época, mas que neste caso talvez tivesse mais que ver com o seu desejo de representar o ambiente que rodeava a futura imperatriz da Alemanha de uma maneira que se adequasse aos severos critérios morais de que fazia gala Frederico de Habsburgo.
O trato assíduo e próximo das mulheres jovens das famílias reais com varões da alta nobreza era algo habitual nas cortes de finais da Idade Média. Assim o admitiam as normas estabelecidas do amor cortês. Mas esses homens deviam ser extremadamente cuidadosos para não ultrapassar o limite de relações, que geralmente consistiam em escrever composições poéticas dedicadas a essas princesas ou em escolher as suas armas e cores heráldicas nas justas a cavalo». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da EdosLivros/JDACT